domingo, 24 de maio de 2009

BIOQUE MESITO


Com este artigo, iniciaremos uma série sobre os poetas maranhenses contemporâneos. Esperamos que um dia falar sobre literatura seja algo comum em nossa mídia. Mas enquanto isso não acontece, vamos tentando fazer a nossa parte.


POETAS DE HOJE: BIOQUE MESITO

José Neres

Quando Fábio Henrique Gomes Brito resolveu separar e depois juntar letras finais de seu nome de batismo, veio à luz o pseudônimo de Bioque Mesito, o autor de A inconstante Órbita dos Extremos (2001) e A Anticópia dos Placebos Existenciais (2008), ambas obras premiadas em concursos literários.

Mais preocupado mais com a essência poética do que com a mera forma do poema, Mesito transita livremente entre os versos soltos e a experiências com a linguagem e com as formas. Em muitos casos, o poeta utiliza-se de recursos gráficos e das associações entre imagens e palavras para transmitir suas ideias, suas críticas e suas impressões sobre o mundo. Isso pode causar estranheza a quem esteja acostumado tão somente com poemas rimados e metrificados com o rigor.

Como pode ser visto desde a escolha das palavras que dão nome aos livros, o interesse do poeta não é fazer poemas narrativos nem de críticas sociais explícitas a cada verso, embora o tom crítico seja visível em muitos momentos dos livros. O interesse maior da poesia de Bioque Mesito é a inquirição do humano, sem se preocupar, porém, em trazer respostas prontas, acabadas e definitivas. Na leitura dos poemas, é possível perceber-se que o eterno questionar(-se) a respeito do mundo ocupa um espaço significativo no estro do poeta. O aparente tom de confissão que permeia grande parte dos textos nem sempre está relacionado ao homem que escreve os poemas, mas, sem dúvida, está se dirigindo ao Homem, visto como entidade universal.

É possível identificar na poética de Bioque Mesito um olhar sempre atento às mais diversas realidades que circundam o ser humano. Como um flâneur a vagar pela inconsistente certeza das dúvidas, o eu lírico dos poemas afia seu olhar em direção ao infinito e ali vislumbra o vazio de seres anônimos que, ao mesmo tempo, podem ser ninguém ou cada um de nós.

A insatisfação é outro ponto a ser destacado nos poemas do jovem escritor. Ao longo das páginas, o leitor entra em contato com um sentimento de descontentamento com relação a tudo que gira na órbita de um nada que se considera digno de reconhecimento. Dessa forma, uma sensação de que o mundo está desconsertado, tão evidente em Camões, Drummond e em outros poetas de grande nível, volta remodelada nas palavras de um homem/poeta que demonstra estar insatisfeito até mesmo com a própria insatisfação, como se pode ser visto nos versos finais do livro de estréia de Bioque Mesito, quando traduz como queria que seu último poema fosse: “suave como borboletas/ no cio/ metade eterno por todo tempo/ metade eterno por insatisfeito.”

A obra de Bioque Mesito não exige uma leitura atenta e livre de preconceitos relativos à forma, às temáticas e às construções nem sempre comuns. As palavras espacializadas à Maiakovski podem até espantar um leitor pouco afeito aos versos menos tradicionais, contudo, em uma leitura mais atenta, ninguém poderá negar o belo trabalho que o poeta faz com a linguagem, em busca da essência humana que só a arte é capaz de traduzir.


domingo, 10 de maio de 2009

NOSSA LÍNGUA...

PALAVRAS MUTANTES

José Neres

Em uma época quem que mutantes invadem as telas das tevês e dos cinemas e inundam o imaginário de jovens e adultos com a ilusão de poderes além dos limites humanos, a maioria das pessoas, no afã de acompanhar as milionárias produções cinematográficas, esquece-se de que todos nós passamos por pequenas mutações no corpo, no vestuário, nos tratamentos cotidianos e, principalmente, na linguagem.

Uma língua é um elemento vivo que também evolui e que se transforma a cada minuto. Palavras e expressões que marcam uma geração podem facilmente ser esquecidas na década seguinte. Algumas pessoas se espantam com a velocidade com que o idioma assimila alguns vocábulos e com sua tendência a descartar elementos linguísticos que, à primeira vista, pareciam eternos e imunes às mudanças.

Mesmo que cause estranheza, essa evolução da língua é parte da eterna necessidade de renovação a que todos estão irremediavelmente atados. Não se trata, portanto, de dizer que uma língua está sendo destruída por seus falantes atuais ou que as “pessoas de antigamente” tinham mais cuidado com o vernáculo, ou, pior ainda, de preconizar que “os jovens estão matando o idioma” cada vez que falam. O que há, na verdade, é uma adequação da linguagem a uma época é às situações impostas pelo próprio cotidiano.

No entanto, mesmo as pessoas que tentam não recender um ranço de passadismo se veem vez ou outra espantadas com a mutação de algumas palavras que circulam com desenvoltura no vocabulário atual. Em alguns casos, o significado da palavra mutante em nada lembra a essência do estágio anterior da língua. Dessa forma, as mutantes citadas a seguir podem causar estranheza a quem não observe com cuidado as falas que ecoam nas ruas, nos shoppings e até nas escolas, mas já são bastante familiares aos ouvidos de todos nós.

O conhecidíssimo ato de NAMORAR de forma descompromissada teve diversas modificações e hoje pode ser encontrado na forma de FICAR, de PEGAR, de PASSAR O SAL e até mesmo de um estranhíssimo ESPOCAR, que suscitam frases interessantes como: “Estou espocando uma mina de tua rua” ou “Já passei o sal em tua prima”. Tudo muito romântico!

O sempre educado DESCULPE-ME está praticamente fora de uso e em seu lugar surge o enigmático FOI MAL, quase sempre dito de modo vago e com uma entonação arrastada que se prolonga no vazio do tempo.

Outra palavra que vem perdendo terreno no dia-a-dia é OBRIGADO, que, depois de décadas e mais décadas brigando para ter sua forma feminina usada de acordo com a norma culta, agora se vê definitivamente sufocada pelo sisudo VALEU.

Estruturas solidificadas como TCHAU, ATÉ LOGO, ESTOU INDO e VOU-ME EMBORA praticamente fundiram-se em uma forma extremamente contraditória e direta. Um simples, rápido e sintético FUI resolve todos os problemas sem precisar de explicações ou das convencionais despedidas.

Atualmente, poucos são os que convidam os amigos para um ANIVERSÁRIO, pois é mais prático convidá-los para o NÍVER, de preferência com poucas pessoas, para evitar gastos desnecessários e com uma vela em forma de interrogação, para preservar a discrição sobre a idade do dono da festa.

Alguns pequenos cacoetes da fala não se contentaram com as visíveis mutações, mas também se acasalaram e trouxeram à luz o famigerado TIPO ASSIM, que nada acrescenta à praticidade discursiva, mas que serve para enfeitar o vazio conteudístico de tanta gente que adora falar, mas que pouco tem a dizer.

A relação poderia se estender por páginas e mais páginas, pois em uma era de comunicação instantânea em que primos viram plimos (ou pliminhos) na internet, mutações como V6 (vocês), 4ever (do inglês forever/para sempre), ctz (com certeza) e qq (qualquer) começam a fazer parte do cotidiano dos falantes da língua e tendem a evoluir para outras formas ainda mais cifradas. Resta então a cada pessoa aprender a conviver com esses mutantes de maneira harmônica ou então viver em um quase isolamento lingüístico.

Um detalhe: não adiante abrir guerra contra os mutantes. Eles geralmente são bastante fortes e têm o poder de fazer parecer que tudo está como sempre esteve. Aparentemente, nada muda dentro da mudança eterna.