domingo, 28 de junho de 2009

LEITURA E CINEMA










LER O LIVRO OU ASSISTIR AO FILME?

José Neres

A cena é mais ou menos a seguinte: o professor chega à sala de aula e recomenda (ou exige) a leitura de determinada obra literária. Os alunos, assombrados como se estivessem vendo um fantasma, começam a tentar dissuadir o mestre daquela tarefa insana. Uns alegam falta de tempo para ler. Outros, mesmo ainda desconhecendo o conteúdo do livro, dizem que a obra é muito chata. Todos trazem à tona a interminável crise econômica: “Livro é muito caro...” O professor, impassível e já acostumado com tais atitudes, mantém-se firme e determinado. Para acabar com a polêmica, o professor usa da frase mágica: “O livro vai cair na prova”.

Nada mais a fazer. O jeito é ler o maldito livro. Alguém sussurra lá no fundo da sala a frase salvadora: “Vou ver se já tem esse livro em DVD”. Alívio geral. Após o término das aulas, um bando invade a locadora mais próxima e, com o título do livro escrito na palma da mão ou em um papelzinho amassado, passa em revista prateleira por prateleira. Alguns alunos, menos dispostos a perder tempo, preferem logo abordar o atendente e fazer-lhe a pergunta: “tem o filme TAL”. Caso a resposta seja positiva, a sensação de alivio é imediata e os sorrisos brotam, desenhando em cada rosto um inegável ar de contentamento. Contudo, quando é um não que vem como resposta, é o ar de desespero que se apodera dos pobres infelizes.

Mas imaginemos apenas o caso em que a obra literária já tenha sido vertida para o cinema... De posse do DVD, o aluno (ou o grupo) sente-se vitorioso e muitíssimo inteligente. Está garantida a economia de tempo e de dinheiro. Para que gastar horas e horas diante de algumas páginas de um livro, tendo que forçar os neurônios e ainda recorrer aos dicionários, se em alguns minutos diante da televisão é possível ficar conhecendo toda a história contada pelo autor? Para que gastar dezenas de reais na compra de um livro que será lido, quando muito, apenas uma vez, se, com alguns poucos reais, é possível locar o filme? O problema está resolvido. Resta comprar a pipoca, os refrigerantes, reunir os amigos e, em uma sessão bastante divertida, conhecer o conteúdo de um livro e, depois, ganhar a liberdade para fazer o que quiser com a ilusão do dever cumprido.

É exatamente nessa sensação “do dever cumprido” que está um dos grandes equívocos e um dos grandes perigos dessa aparente facilidade de entrar em contato com textos literários sem recorrer à leitura dos livros. É preciso lembrar sempre que cinema e literatura não são termos sinônimos e, por melhor que seja um filme baseado em um texto literário, ele jamais conseguirá captar toda a inefável essência do texto escrito.

Como o trabalho literário trata geralmente a palavra de modo multifacético e impregna cada linha de um caráter plurissignificativo, deixa margens para diversas leituras e para múltiplas interpretações. Quando alguém leva para casa um filme baseado em um livro, estará entrando em contato não com o enredo original, mas sim com uma adaptação feita por alguém que leu o livro e que fez a chamada tradução intersemiótica, deixando, de forma consciente ou não, suas impressões e sua forma de ler o texto na versão levada para as telas.

Em prol de um dinamismo próprio do cinema, o diretor/roteirista procura o melhor meio de (re)contar a história e, para isso, em muitos casos, tem que alterar a obra original de forma bastante significativa. Claro que há filmes que tentam (e , às vezes, conseguem pelo menos em parte) manter certa fidelidade com relação à obra que lhe deu origem, mas mesmo assim, por se tratarem de duas linguagem distintas e que empregam métodos e dinâmicas diferentes, o trabalho audiovisual ainda não é capaz de substituir a contento a leitura do texto impresso.

Desse modo, os estudantes que acreditam que assistir a um filme baseado em um livro substitui a leitura da obra escrita estão equivocados. Mas não são poucos os alunos que, infelizmente, preferem viver apenas no irreal mundo dos enganos que parecem verdade.

domingo, 14 de junho de 2009

CINEMA MARANHENSE


ENTRE O RISO E O PRANTO

José Neres

A produção cinematográfica maranhense em média e longa metragem é, além de pequena, pouco divulgada. Por isso não deixa de chamar a atenção quando um jovem e talentoso cineasta como Cícero Filho consegue ter seus trabalhos divulgados além dos restritos círculos dos amantes da sétima arte e atinge outras camadas sociais com obras que não estejam ligadas à poderosa e praticamente imbatível indústria do entretenimento de massa.

Em um artigo publicado em O Estado do Maranhão, Joaquim Haickel, um de nossos premiados intelectuais voltados para as artes cinematográficas, rende-se, mas sem deixar de lado o rigor crítico, ao hoje bastante conhecido, visto e até pirateado “Ai, que vida!”, uma interessante comédia ambientada no eixo Piauí-Maranhão. O filme proporciona boas gargalhadas a quem se deixa levar pelas ironias do roteirista-diretor, pelas hilariantes caretas do prefeito e pela interpretação leve e até mesmo ingênua dos atores, que, mesmo dentro de um evidente amadorismo, esforçaram-se por fazer um trabalho que primasse pela qualidade possível dentro dos limitados recursos humanos e financeiros que ficam evidenciados na produção.

Mas a intenção de “Ai, que Vida!” vai além do riso fácil. Quem prestar atenção aos diálogos perceberá o tom crítico que permeia grande parte do filme. Na tela há um verdadeiro desfile de tipos humanos que não são apenas elementos de ficção, mas sim figuras encontráveis em qualquer noticiário ou mesmo em um rápido passar de olhos nas periferias de nossas cidades.

O sucesso da comédia alavancou a busca por outras produções do mesmo autor. Não é difícil, agora, no comércio informal, encontrar cópias de “Entre o Amor a Razão”, uma história capaz de levar as pessoas mais sensíveis às lágrimas e/ou a um profundo sentimento de revolta por causa das injustiças sociais descritas em aproximadamente uma hora e meia de projeção.

A miséria é a personagem invisível que permeia todo o filme. Ao lado de breves sopros de esperança, temos um vendaval de situações adversas a açoitar uma família unida pelo amor, mas irremediavelmente atolada em um charco de lama que sufoca quem tenta dele escapar. As sucessões de cenas trágicas deixam o espectador atormentado e sem esperança de um final feliz que lembre a velha história do “e foram felizes para sempre”.

Mesmo com o evidente intuito de levar as pessoas à catarse, Cícero Filho não deixa de lado seu tom irônico e os diálogos que destilam críticas sociais. Fica evidente no decorrer do filme que o que arrasta Cláudia, Elizeu e suas crianças para os pontos mais degradantes da existência humana não é apenas a óbvia constatação da pobreza econômica de uma região, mas também a falta de vontade política em resolver ou pelo menos amenizar os problemas de um povo sofrido. Possivelmente, uma das razões do sucesso de Cícero Filho é sua capacidade de dar, em suas produções, um pouco de voz a um povo que tanto sofre na mudez de uma dor que sufoca até mesmo os menores soluços de angústia.

Filmes como “Ai, que Vida!” e “Entre o Amor a Razão” servem para que as pessoas possam ver uma realidade que nos é tão familiar, mas para a qual não titubeamos em fechar os olhos ou virar o rosto. Pelo menos, no cinema ou na tela da TV, entre uma gargalhada e uma lágrima escorrendo pela face, não fechamos os olhos para essas tristes verdades.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

OCUPADO

Como ando meio ocupado, não estou alimentando o blog com a mesma frequência. Em breve, porém, voltarei a postar novos textos. Por enquanto, deixo a meus poucos, mas importantes leitores, essa canção dos Paralamas do Sucesso, que reflete muito bem meu momento atual.

CAPITÃO DA INDÚSTRIA

Eu às vezes fico a pensar
Em outra vida ou lugar
Estou cansado demais

Eu não tenho tempo de ter
O tempo livre de ser
De nada ter que fazer
É quando eu me encontro perdido
Nas coisas que eu criei
E eu não sei
Eu não vejo além da fumaça
O amor e as coisas livres, coloridas
Nada poluídas

Eu acordo pra trabalhar
Eu durmo pra trabalhar
Eu corro pra trabalhar


Eu não tenho tempo de ter
O tempo livre de ser
De nada ter que fazer
Eu não vejo além da fumaça que passa
E polui o ar
Eu nada sei
Eu não vejo além disso tudo
O amor e as coisas livres, coloridas
Nada poluídas