domingo, 29 de novembro de 2009

III FEIRA DO LIVRO DE SÃO LUÍS


Quase sempre sou abordado com perguntas sobre a Feira do Livro. Este é o primeiro ano em que participo apenas como visitante, o que me dá uma visão bastante ampla do evento. Como sempre, há os pontos positivos e os negativos. Mas sempre é preciso que se veja que não é fácil organizar um evento com essas dimensões. Temos certeza de que as falhas serõa sanadas na próxima edição e e que os acertos serão ampliados.

A Seguir estão nossas impressões a respeito do evento.



GULLAR PERDIDO NA FEIRA

José Neres


Eis que chega ao fim a III Feira do Livro de São Luís, um evento que já se tornou parte importante do calendário cultural da capital maranhense e que sempre é muito aguardado pelos amantes da literatura e mesmo por quem simplesmente aproveita a ocasião para passear pelos corredores repletos de livros.

Nesta edição, o patrono da Feira foi o poeta, crítico, teatrólogo, roteirista e tradutor Ferreira Gullar, um dos maranhenses mais respeitados nos círculos intelectuais do país. Um escritor que merece todas as homenagens possíveis.

Logo ao chegar à Feira, os visitantes se deparavam com gigantescas reproduções de livros do autor, com um imenso painel e com um amplo auditório em homenagem ao poeta. A expectativa tomava conta dos visitantes. Uma monitora simpática entregava o livreto contendo a programação oficial do evento. Os admiradores de Gullar devoravam as páginas do folheto procurando as palestras e comunicações a respeito do homenageado. Decepção! Parece que as homenagens se limitavam à estrutura física da Feira e a uns raríssimos e pouco destacados momentos de debate sobre o trabalho do autor do Poema Sujo.

Todos já sabiam que o Gullar em pessoa não estaria presente à III Feira do Livro de São Luís, mas havia a esperança de que sua ausência física fosse compensada com debates sobre suas obras, com exposições sobre sua carreira e com discussões a respeito da produção de uma dos maiores poetas do Brasil contemporâneo. Mas isso não aconteceu!

Por alguma razão, os estudiosos da obra de Ferreira Gullar tiveram pouco espaço para apresentação de seus trabalhos. Todos sentiram a falta de uma mesa-redonda, que discutisse as diversas facetas da produção intelectual do escritor, e das provocações e comentários que certamente surgiriam por parte dos não-admiradores da obra gullariana. Para compensar um pouco a falta de debates sobre o patrono da Feira, o sempre incansável Alberico Carneiro, além de fazer uma palestra sobre “A Luta Corporal e o Crime na Flora”, distribuiu uma edição especial do Guesa Errante, contendo uma entrevista concedida por Gullar a Euclides Moreira Neto.

Público e Mídia

Com todo evento de grande porte, na III Feira do Livro de São Luís houve diversos pontos positivos e negativos. Novamente o antigo ditado que diz que Santo de casa não faz milagre parece que se comprovou. Os autores da terra não conseguiram fazer o milagre da multiplicação de público e quase sempre contaram com um espaço repleto de lugares vazios. No Café Literário, por exemplo, os escritores convidados falavam para parentes e amigos mais próximos, pois o restante do público ou se contentava a dar uma espiadela pelo vidro ou passava indiferente pelo local. O mesmo aconteceu em outros espaços, com palestrantes que se viram obrigados a transformar a fala preparada para um grande público em um pequeno círculo de bate-papo.

Com relação à mídia, há os problemas de sempre. Um espaço (não grande, mas pelo menos há) para os palestrantes com um nome destacado e um silêncio total para os conferencistas locais que, muitas vezes, como sempre comenta o escritor Ubiratan Teixeira, são encaixados na anônima categoria de Outros nas reportagens. Isso se torna visível quando uma atriz global sem (pelo menos por enquanto) projeção no mundo das letras é muito mais lembrada na imprensa, com constantes chamadas para sua palestra e para o lançamento de sua obra, do que José Louzeiro, que, com suas cinco dezenas de livros publicados, não teve a divulgação merecida.

Louzeiro, por sinal, foi um dos pontos positivos da Feira. Muito simpático e atento, transitou pelos diversos espaços do evento e foi bastante presente em várias atividades. Da mesma forma foi muito bom ver Nauro Machado relançando suas Esferas Lineares, Antônio Guimarães cercado de pessoas pedindo autógrafo e tantos outros escritores circulando pelos corredores. Outro ponto positivo foi que, no já citado Café Literário, este ano os autores convidados tiveram liberdade para falar livremente, sem a incômoda interferência de mediadores que limitavam o tempo de fala.

A III Feira do Livro de São Luís chega a seu fim, mas seus momentos e efeitos – positivos e negativos – ainda irão ecoar por várias semanas, a próxima edição. Quando comparações e discussões voltarão à tona.

domingo, 22 de novembro de 2009

SER PROFESSOR


UMA FRASE INFELIZ E SEUS QUESTIONAMENTOS
José Neres




Tenho e sempre tive muito orgulho de ter abraçado o magistério e de te a ele me dedicado de corpo, alma, papel e caneta nas últimas duas décadas. Até hoje nunca tive o menor motivo para lamentar o fato de ser professor. Adoro o que faço!


Por gostar muito de minha profissão e por fazer de tudo para honrá-la a cada minuto de minha atividade docente, sempre me preocupo com algumas situações cotidianas e observo atentamente comentários que parecem isolados, mas que podem esconder uma ideia bem maior. É por isso que me chamou a atenção uma frase dita por um colega à saída de uma escola, na semana passada.


A frase/depoimento do professor pode ser dividida em três momentos. Em dois deles, a mensagem é altamente positiva. Já no último há muito para ser questionado (e lamentado!).
Ele começa lembrando seu pai: “Meu pai é um verdadeiro herói. Nunca teve preguiça de trabalhar para sustentar a família”. Logo depois retorna à figura paterna com total admiração: “Ele, mesmo sem ter freqüentado escola, formou sete filhos. Todos nós temos hoje curso superior.” Finalmente, em tom de lamento, em um contrito mea culpa, desabafa:

Se hoje eu sou professor, a culpa não foi dele. Foi minha, que não me dediquei mais aos estudos...”

Depois de um silêncio e das despedidas, dirigiu-se para seu carro e foi embora, deixando para trás apenas alguns questionamentos.


1. Será que seu descontentamento é com a profissão ou com seu desempenho profissional?
2. Será que ele sente vergonha de ser professor, ou de estar professor sem se sentir devidamente preparado para a profissão?
3. Será que ele passa para seus alunos todo esse desânimo com relação à profissão?
4. Será que ele se assume como professor quando está distante da escola e dos colegas ou inventa uma outra profissão para se sentir satisfeito?
5. Será que ele seria um bom profissional em outra área de atuação, se, como ele mesmo disse. “tivesse se dedicado mais aos estudos”?
6. Será que ele já percebeu que seus bens materiais (carro, casa...) são resultados de seu trabalho em sala de aula, ou será que ele tem outra profissão e ministra aula apenas por diletantismo?
7. Será a questão financeira a única causa de ele ainda estar em sala de aula?
8. Será que não seria um momento de “dedicar-se um pouco mais aos estudos” e procurar outra profissão que fosse, para ele, mais digna e dignificante?
9. Qual seria a profissão a que ele se dedicaria, se não fosse a do magistério?
10. Quais seriam as profissões de seus irmãos?
11. Será que o pai não sente o menor orgulho da profissão do filho?
12. Será que, financeiramente, ele é o que menos recebe entre os irmãos?
13. Será?... Será?... Será?... Dúvidas... Dúvidas... Dúvidas...

Nenhuma resposta.


Mas, ao entrar em sala de aula, horas depois, algumas certezas vieram à minha cabeça: “Estou aqui porque gosto”, “Sou professor porque estudei (e muito!) para exercer minha profissão” e, principalmente, “Pessimismo não é algo contagioso”.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

REDAÇÃO

Este artigo saiu no Jornal Pequeno, no início deste ano de 2009. Com a chegada do Enem, creio que ele ainda possa ser bastante útil.


DEZ DICAS DE REDAÇÃO
José Neres


O vestibular se aproxima. E com ele voltam à tona todas as dúvidas e angústias relativas à prática de redação.
Mesmo considerada um dos grandes terrores na vida de um candidato a uma vaga na Universidade, a redação é constantemente relegada a um segundo plano na vida do estudante. O vestibulando, quase sempre, costuma protelar ao máximo a prática textual e deixar para a última hora a preocupação com a parte escrita de sua formação.
A seguir, apresentamos dez pequenas dicas a respeito da redação voltada para o vestibular. A maioria dos comentários, porém, seve para qualquer pessoa que aprecie a arte de escrever.
1. Usar um vocabulário simples, mas não simplório – Algumas pessoas pensam que escrever bem é usar palavras difíceis e exagerar nos volteios sintáticos. Mas isso não é verdade. O bom texto tem de ser compreensível e claro desde o início até o fim, evitando ao máximo as ambigüidades, as palavras supérfluas e as estruturas desnecessárias. É inútil usar palavra eruditas fora de seu contexto ou com sentido forçado. Geralmente, usar “palavras difíceis é apenas um modo de tentar esconder a falta de profundidade argumentativa.
2. Usar corretamente a norma culta – As universidades não estão muito interessadas em saber se seus futuros alunos cultivam pendores artísticos para a prosa ou para a poesia, mas elas têm, sim, interesse em saber se os pretendentes aos cursos oferecidos dominam (ou pelo menos conhecem) os mecanismos básicos da norma padrão. Então, quem se propõe a escrever – com qualquer que seja o objetivo – deve está sempre atento a aspectos gramaticais como ortografia, pontuação, regência, concordância e acentuação gráfica.
3. Saber argumentar – Não adianta muito o texto estar isento de falhas gramaticais se seu conteúdo apresenta argumentos frágeis e sem consistência. Algumas pessoas preocupam-se apenas com a aparência física e gramatical da redação, esquecendo-se de criar estratégias discursivas que convençam o leitor e o levem a acreditar nas abordagens defendidas pelo autor do texto, bons argumentos são essenciais para dar vida à dissertação.
4. Concatenar as ideias – Além de ter bons argumentos, é sempre importante saber organizá-los em uma sequência racional que leve o leitor a compreender a mensagem do autor com exatidão. É comum, infelizmente, vestibulandos escreveram seus argumentos de forma desordenada e com isso transformaram o texto em um amontoado de informações sem conexão lógica.
5. Conter a emotividade – Alguns temas polêmicos costumam levar o estudante a se comportar mais como um torcedor do que como um analista da situação observada. O excesso de emotividade costuma levar o redator a escrever de forma apaixonada e esquecer que a dissertação exige uma análise racional sobre o tema. É melhor deixar para extravasar as emoções após o resultado do vestibular.
6. Ser coerente - Em um texto dissertativo, as ideias devem estar interligadas de modo a evitar as contradições e não deixar que o leitor fique perdido no meio de informações vagas e desarticuladas com relação à realidade. Dois bons exemplos de incoerência em texto dissertativos são o caso do aluno que queria provar que “a falta de desemprego é um dos maiores problemas do Brasil contemporâneo”, e do outro que teimava em dizer que “no Brasil, milhões de crianças morrem de fome a cada minuto”. Muito exagero!
7. Respeitar os padrões éticos – Nem tudo o que se pensa deve ser exposto na redação do vestibular. O candidato não deve atropelar a ética em seus textos, deve sempre respeitar os direitos autorais de suas citações e nunca inventar números e dados apenas para dar aparência de informatividade a seus textos. Recentemente, em uma prova de vestibular, um aluno propôs que, para acabar com a falta de órgãos para transplante, o governo matasse os presidiários e retirasse deles as partes que pudessem ser doadas. Ele violentou a ética e a cidadania e ficou, justamente, reprovado!
8. Evitar o senso comum – O vestibulando deve sempre investir o tempo livre em leituras, com o objetivo de fazer um lastro de informações e, ao mesmo tempo, incrementar o vocabulário. Quem não tem um razoável arsenal de leitura quase sempre cai na tentação de ficar apenas no senso comum em suas argumentações, de repetir ideias alheias sem questionar e de ficar na superficialidade do tema proposto.
9. Jamais fugir ao tema proposto e à tipologia indicada – As universidades definem a tipologia que querem, geralmente a dissertação, e propõem uma temática sobre a qual deve ser elaborado o texto. O dever o candidato é escrever dentro do tema proposto e de acordo com a tipologia estipulada. Sair disso equivale a ser eliminado.
10. Atentar ao tempo disponível – A redação é apenas uma das provas do vestibular e, junto com ela, há uma quantidade exagerada de questões que também devem ser resolvidas. O estudante deve treinar bastante antes do dia do concurso, para, quando chegar a hora, ter segurança e escrever o texto dentro do tempo estipulado, sem entrar em conflito com as demais provas do dia.
Além das dez dicas acima, é sempre importante, como já foi dito, o estudante ler o tempo todo, para estar sempre atualizado e para não ser pego de surpresa em um dos dias mais importantes e tensos de toda a sua vida.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

NOSSA REALIDADE


A PRESENÇA AUSENTE
José Neres




Por um desses inexplicáveis paradoxos que oscilam entre os mais altos graus de criatividade e o extremo senso de oportunismo, acabamos criando em nosso combalido sistema educacional o fenômeno da presença ausente.

A situação pode ser facilmente comprovada em qualquer uma das inúmeras salas de aula dos diversos níveis de educação. Como há muito tempo a figura do professor não é mais essencial para o andamento das aulas, sendo mesmo, em alguns casos, até considerada dispensável ou obsoleta, outro elemento tomou o lugar de honra nas aulas: a folha de chamada, que também atende pelo nome de lista de freqüência.

Em uma sociedade que cada vez mais evidencia a supremacia da certificação em detrimento da comprovação do saber é natural que haja a proliferação de algumas frases estapafúrdias como as seguintes: “Professor, não poderei vir na próxima aula, mas não se esqueça de botar minha presença.”,“Se eu não vier na próxima semana, vou levar falta?”, “Professora, tenho que ir ao casamento de uma amiga. Não posso perder essa festa, mas eu não posso levar falta, viu?”, “Professor! Não é possível! Como é que eu tenho tanta falta? O senhor tem que passar um trabalho para retirar minhas faltas...”, “Professora, já falei com a direção, a senhora tem que passar umas atividades para justificar minhas ausências, pois ganhei uma viagem num concurso e vou passar um mês viajando com meu namorado... Mas não passe nada muito complexo, pois tenho que aproveitar a viagem com meu Love”.

Como se vê, o único fator de importância nas “justificativas” dadas é a certeza da presença na lista de chamada. A preocupação com a aprendizagem, com os assuntos que serão estudados é praticamente nula, ou seja, não importa o que aconteça na sala de aula, desde que o nome do “estudante” esteja devidamente registrado em uma folha de papel.

Há também os casos em que o aluno está fisicamente presente em todas as aulas, mas, como entidade intelectual e participativa, está tão ausente quanto os que, por algum motivo, não puderam (ou não quiseram) comparecer. Geralmente tal aluno aproveita os horários de aula para por as conversas em dia, paquerar as colegas ou ainda para aprender a usar todos os recursos oferecidos pelo aparelho celular recentemente adquirido. Em suma, ele está presente, mas sua vontade de estudar está ausente (e bem distante!).

Não podem ser esquecidas as intermináveis idas ao banheiro, a incontrolável sede (só de líquidos, nunca de conhecimento) que obriga o aluno a sempre sair da aula, os atrasos constantes na chegada e os intermináveis pedidos para sair mais cedo. No caso das universidades e faculdades, há também aquele tipo de “estudante” que se especializa em deixar seus pertences nas cadeiras e sair para aproveitar o tempo pelos corredores ou no barzinho mais próximo. Mas, na hora da chamada, ele, invariavelmente, está lá, falando alto, para marcar sua presença.

Desse modo, o que se nota é que há muitas pessoas ávidas por um título. Algumas delas se matriculam, ou são matriculadas, na esperança, não de uma aprendizagem sólida ou de uma formação consistente, mas sim com o desejo de que suas ausências não sejam notadas e que ainda por cima sejam premiadas com um certificado que comprove sua presença na estatística dos alunos diplomados.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

LUÍS AUGUSTO CASSAS

POETAS DE HOJE: LUÍS AUGUSTO CASSAS

José Neres

Dono de uma vasta produção literária que já conta com quase duas dezenas de títulos, Luís Augusto Cassas é um poeta de grandes recursos estilísticos e que já conseguiu imprimir uma dicção poética própria em sua obra.

Em 1981, Cassas publicou seu livro de estreia, República dos Becos, que foi muito bem acolhido pelos leitores e pela crítica especializada. Logo no prefácio deste primeiro trabalho, Josué Montello advertia que era preciso guardar o nome do novo escritor, porque não se tratava “de um simples poeta”, mas sim “de um excelente poeta (...) com uma personalidade nítida, bem marcada, desde o momento que se iniciou nas letras.” Depois vieram tantos outros livros e dezenas de estudos e ensaios sobre a poética do autor de Rosebud, que já tem, hoje, uma alentada fortuna crítica sobre seus trabalhos.

Atualmente, depois de muito esforço e perseverança no manejo com as palavras e na divulgação de seus trabalhos, Cassas já conquistou um espaço no cenário literário maranhense e, embora ainda não tenha seu trabalho devidamente reconhecido na própria terra, caminha a passos largos para deixar seu nome gravado em paragens que vão além do regional.

A temática desenvolvida por Cassas em sua produção poética é ampla e atinge uma variada gama de eixos que se bifurcam e se entrecruzam na formação de um todo orgânico em que as partes aparentemente isoladas são valorizadas e acabam se encaixando nas linhas principais desenvolvidas a cada trabalho. Além de preocupar-se com a temática central de cada livro, Cassas também não descura da linguagem e, consciente de que escrever é também brincar com o idioma, tece interessantes jogos de palavras, como o seguinte, retirado de Shopping de Deus & a Alma do Negócio, no qual a palavra NÓS adquire múltiplas significações:

Somos feitos de nós,

Nós na garganta,

Nós no peito,

Nós nas tripas,

Múltiplos nós,

Todos os nós

Todos nós,

Nós, todos.

Porém os recursos estilísticos do poeta vão além da repetição vocabular com multiplicidade semântica, ele também se vale de outros artifícios como ou uso de parênteses, desmembramento de palavras, espacialização de termos e uso de símbolos, como ocorre no mesmo livro acima citado, quando, para representar a constante presença do dinheiro na vida das pessoas, utiliza o cifrão repetidas vezes em substituição ao S, alcançando o efeito desejado.

o dinheiro é um deu$ terrível

que go$ta de $er adorado face a face

e paga à vi$ta o$ $eu$ milagre$

condecorando os vivo$ com moeda$ na língua

pra ab$olvê-lo$ da ferrugem do $ol do$ mi$erávei$.

Mas engana-se quem pensa que a poética de L. A. Cassas é composta apenas por jogos vocabulares. Ele, além de valorizar a forma, também se preocupa com o conteúdo de seus poemas. Em um passeio pela produção do poeta maranhense é possível encontrar diversas temáticas recorrentes, como, por exemplo, misticismo, telurismo, crítica social, erotismo, apego às raízes familiares e um constante ar de descontentamento com a realidade circundante. Mas, qualquer que seja a abordagem escolhida pelo poeta, fica sempre claro que o centro de sua obra é o ser humano, com todos os seus caracteres positivos e/ou negativos.

A preocupação de Cassas com o Homem, seja no campo espiritual, seja no âmbito físico-material evidencia-se em todos os livros do poeta, pois a essência humana é uma das marcas mais profundas e visíveis de toda a sua produção literária. Não importa se o tema central é a criança abandonada, o idoso humilhado, a mulher como objeto de amor e de prazer, ou mesmo uma pedra, sempre o poeta está interessado em por o ser humano com suas angústias, dores e alegrias no foco do poema.

Também chama atenção o grau de ironia com que o autor de A paixão Segundo Alcântara trata seus temas. O olhar ácido do autor não perdoa as injustiças sociais nem o descaso com que a cidade geralmente é tratada. Já em seu primeiro livro, Cassas imprime suas digitais de observador irônico da realidade circundante. No poema Parábola, por exemplo, ele consegue transformar o que acontece no dia-a-dia em um uma pequena peça de arte que traduz as contradições facilmente encontradas na dúbia realidade em que vivemos. Criaturas anônimas saem da Igreja após uma missa, mas a cabeça de cada um não está somente em Cristo, e sim nos problemas sociais que atormentam todos os trabalhadores que lutam por pedaço de chão para abrigar a família.

PARÁBOLA

Domingo de Ramos

eles vestem a fatiola engomada nas dobras

e voltam contritos e triunfais com um ramo nas mãos.

Um ramo colhido na melhor palmeira da paróquia

e bento na igreja santificada do bairro.

Seguem puros para casa? Não.

Planejam uma nova invasão no Coradinho.

Há quem considere Luís Augusto Cassas um poeta contraditório e que vaga de temática em temática em busca de algo indefinível. Mas o próprio poeta não esconde esse caráter errante, pois, assim como Mário de Andrade dizia claramente ser “trezentos, trezentos e cincoenta...”, o poeta maranhense também tem certeza de que dentro dele habita uma multidão de seres diferentes e ao mesmo tempo complementares, conforme ele mesmo escreveu no primeiro poema de seu livro de estreia:

Habitam comigo, há anos,

no quarto escuro de mim,

dividindo o aluguel

dessas trinta e três vértebras

(...)

um estudante de Letras

um boêmio que recita

Lorca; um funcionário público

que sofre dores nos rins;

um cozinheiro que frita

ovos às três da manhã;

um advogado, que no fórum

advoga o mundo do imundo;

um conquistador barato

sem lábia e brilhantina;

e um poeta de esquina,

que por vergonha de ofício

não quer se ver declamado

em reuniões sociais.

Então, se o próprio poeta admite ser múltiplo e multifacetado, resta ao leitor buscar a voz interior que se destaca em cada poema, em cada livro. Desse modo, em alguns momentos, temos o poeta metafísico que se cólica acima dos elementos materiais e busca e eu e o outro dentro de um vazio existencial. Em outros momentos, destaca-se a voz do homem que ama sua cidade, mas que não consegue fechar os olhos para os problemas que nela são encontrados. Às vezes o que se destaca nos versos é a presença do voraz leitor que marca, nas páginas dos livros encontros com seus escritores preferidos. E muitos outros seres que habitam o mesmo ser podem ser encontrados nas páginas de Cassas. Mas eles não vêm de forma organizada, cada um em seu livro, não, eles muitas vezes fazem reuniões em uma mesma página, o que confunde o leitor menos afeito a esse estilo diferenciado do autor.

O leitor logo percebe que Cassas tem o evidente interesse de colher poesia de tudo o que o rodeia. Pedras transformam-se em poesia. A Cidade é poesia revisitada página a página. Para nada perder, até fome, miséria, lixo e podridão metamorfoseiam-se em poemas... Mas essa metamorfose constante não deseja esconder a realidade, mas sim torna-se um recurso para torná-la mais evidente aos olhos das pessoas.

Em alguns momentos, o poeta aproxima seus textos de versículos bíblicos e, misturando o sagrado e o profano a seus recursos poéticos-estilísticos-irônicos, consegue alguns efeitos imagéticos que, apesar de aparentemente repetitivos, mostram um poeta inventivo e que parece ter encontrado seu caminho nas tortuosas veredas da poesia. No fim, entre ironias, inusitados jogos de palavras e uma profunda consciência do fazer poético, fica a lição de que:

Engano o homem

ser animal político

por definição.

O homem

é animal poético

em pleno verão.