segunda-feira, 18 de março de 2013

Escrevi este texto logo após a morte de Josué Montello. Peguei alguns dos vários livros do grande escritor e fiz uma pequena homenagem a esse grande homem de letras.


A TÍTULO DE HOMENAGEM 
José Neres 



    Era para ser uma tarde comum, como outra tarde qualquer, mas quando a noite desceu sobre Alcântara, sobre o Largo do Desterro e sobre o Cais da Sagração, e os bentivis começavam a procurar um beiral para descansar, uma notícia deixou a cidade duas vezes perdida: Josué Montello, a cabeça de ouro da vida literária maranhense, acabara de receber sua última convidada. 
     Naquele momento, a morte deixava de ser apenas uma sombra na parede e levava o criador de mil imagens para uma viagem fantástica por um labirinto de espelhos, deixando entre seus conterrâneos, além de mais de uma centena e meia de obras, um camarote vazio e uma escola de saudade. 
      Naquela hora, como se estivéssemos no silêncio de uma confissão, tudo muda na cidade: a lanterna vermelha perde o brilho, a estante giratória pára, o fio da meada se perde, o caminho da fonte se fecha e os longos diários recebem o ponto final. Josué deixa de estar entre nós. Sua indesejada aposentadoria definitivamente chega para levá-lo para junto dos tesouros de Dom José, para viver mil aventuras com Calunga, ou para, através do olho mágico da eternidade, quem sabe na próxima noite de natal, ou numa noite de papel picado, ver Glorinha, com seu rosto de menina, recitando os versos do anel que tu me deste ou brincando com os bichinhos do circo. 
     Montello, que ainda na casa dos quarenta, já dominava Cervantes e o moinho de vento, já mostrava para seu povo a beleza clássica de Ricardo Palma, Antônio Nobre, Machado de Assis, Monteiro Lobato, Gonçalves Dias e Stendhal, entre outros, sempre alinhando uma palavra depois da outra, aos quase noventa anos, com as janelas fechadas, mas com a alma aberta para o infinito, põe um ponto final em sua vasta obra , que não é miragem, nem peso de papel, mas sim arte, vida, amor e dedicação. 
       Então, naquele triste 15 de março de 2006, ao som dos tambores, sem precisar de um baile de despedida, Josué Montello subiu os degraus do paraíso e, em uma viagem sem regresso, sob luz da estrela morta, os anjos em aleluia foram mostrar para a pedra viva das letras maranhenses seu apartamento no céu, com uma bela varanda sobre o silêncio, de onde, enquanto o tempo não passa, ele para sempre será lembrado. 
O Estado do Maranhão, 26 de março de 2006. 

CONTO COM T

Para  distrair um pouco nossos leitores de seus afazeres cotidianos, postamos aqui mais um conto todo iniciado com a mesma letra. Desta vez é a letra T que serviu de foco. 

Tempo 
José Neres

Teresa Telles tinha tudo. Tinha títulos, tratores, terras, tantas transações terceirizadas... Todavia, terrivelmente tímida, Teresa torturava-se, temia terminar totalmente traumatizada, transtornada. 
Tio Túlio Telles, tentava tranqüilizá-la: 
-Tranqüiliza-te, tens tanto tempo, Teresa! 
Teresa, tresloucada: 
- Tenho tudo, tio, todavia tô tão triste! Tudo tentei, tantas terapias... Trintona, tio! Tô trintona! Tenho tempo!?! 
- Tens... Temos, tesão... 
Tio Túlio Telles, trêmulo, tocou-lhe, tirou-lhe tudo... 
Túmida, trôpega, tensa, trêmula, Teresa topou tudo. 
Transaram, transaram, transaram... 
Trauma terminado, Teresa teoriza: 
- Tenho tudo: tenho terrenos, tratores, tantas transações terceirizadas, tio Túlio, transas transcendentais, tempo, tempo, tempo...