domingo, 21 de abril de 2013

DA ARTE DE PERDER LIVROS



DA ARTE DE PERDER LIVROS

José Neres

          
         
            A regra é bem lógica e simples. Quer perder livros? Basta dedicar-se a não muito salutar tarefa de emprestá-los.
            Um livro, qualquer que seja ele, é tão importante que é capaz de mudar completamente até mesmo a noção de tempo e de espaço. Não! Não estou falando aqui do poder dos livros de levar os leitores para outros tempos ou a paragens alcançáveis apenas pela imaginação. Fala de algo mais real e mais facilmente comprovável.
É o seguinte: quando alguém precisa de um livro, raramente se dirige a uma livraria para comprá-lo. É mais fácil e cômodo pedi-lo emprestado a um incauto qualquer de boa fé. É esse o momento de fazer o teste que passo a descrever a partir  desta linha. Basta o dono do livro dizer que só ele sabe onde está o referido título, que mora longe e que só estará em casa a partir das dez ou onze horas da noite. Pronto. Como em um passe de mágica, relógio, convenções sociais e distâncias perdem a importância. Na hora marcada, por mais incômoda que seja; no endereço dado, por pior que seja o acesso a ele, o pedinte estará ali, com um sorriso no rosto, pedindo desculpas pelos inconvenientes, mas deixando bem claro que consultar aquela obra é questão de vida ou de morte. A visita costuma ser rápida, raramente o cidadão aceita passar da soleira da porta, tal é sua pressa.
A segunda parte do teste vem dias, semanas ou meses mais tarde. Uma vez feita a tão urgente consulta, a residência do dono do livro se torna extremamente distante; aquela pessoa que outrora se dispôs a ir a qualquer hora pegar a obra, de repente, não mais que de repente, como diria Vinícius de Moraes, percebe que não deve incomodar as pessoas altas horas da noite, domingos ou feriados tão simplesmente para entregar um mero livro; o número do telefone do proprietário do livro, que foi usado incessantes vezes para lembrar o título exato do volume, como que por encanto, desaparece da agenda do agora tão ocupado pedinte... E o tempo vai passando...
A terceira e última parte do teste vem em um encontro fortuito, quase acidental entre as duas partes. Geralmente, quem está com o livro não toca no delicado assunto e, quando instado a falar sobre uma possível devolução, alega falta de tempo, muito serviço, problemas de locomoção para lugares distantes e conclui dizendo que em breve, assim que sobrar um tempinho, fará uma visita com mais calma, para entregar o precioso objeto, etc, etc, etc.
Pronto. O teste está completo. Os livros, principalmente os emprestados têm o poder de relativizar aos extremos as noções de tempo, de espaço e de prioridade.
            O problema desse tipo de comprovação é que ela pode sair muito cara para quem decide investir em uma formação mais letrada. A cada experiência, alguns livros preciosamente raros participam de uma espécie de êxodo bibliográfico sem volta às estantes de origem. Além do valor pecuniário perdido, o amante das palavras escritas percebe aos poucos que os clarões das estantes mostram bem mais que uma hemorragia de celulose, escancarando aos olhos do pobre coitado a perda de anos e mais anos de busca  incessante a exemplares raros que  aos amados lares nunca mais retornarão. 
            É... esse é o tipo de arte que precisa ser combatida, antes que transforme benfeitores da palavra em seres egoístas especializados na arte de esconder a sete chaves seus pequenos tesouros de papel

Publicado originalmente em O Estado do Maranhão

segunda-feira, 15 de abril de 2013


A vida é sempre uma arte que deve ser reinventada a cada movimento de respiração. 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

JETHER, UM ADEUS


JETHER, UM ADEUS

Passei o final de semana trabalhando, ministrando aula em um curso de pós-graduação. Fiquei praticamente dois dias sem contato muito demorado com a internet, com os amigos virtuais e com o mundo sem fronteiras. Hoje, às cinco da madrugada, hora em que geralmente estou acordado, escuto o barulho da moto do entregador de jornal e o característico ruído de algo arremessado no terraço. Pego o periódico e sou surpreendido com a notícia do covarde e brutal assassinato do poeta, bancário, ex-vizinho e sempre amigável Jether Joran Coelho Martins.
Conheci-o na metade da década de noventa do século passado. Primeiro pelas páginas de seu livro Poesia Revolucionária, que eu havia comprado quase  por acaso. Depois pessoalmente, quando, em uma dessas voltas do destino, descobrir que o autor do livro morava no mesmo prédio que eu, no apartamento logo abaixo. Daí em diante gastamos muito de nosso tempo em conversa sobre poesia, arte , música e uma de suas paixões: a cidade Vargem Grande, terra à qual dedicou um longo trabalho de abordagem histórica em uma abordagem  bem pessoal.
Depois que me mudei tive poucos encontros com ele. Recentemente no reencontramos por acaso em um supermercado. Descobri que novamente éramos vizinhos e sempre tentávamos marcar um momento para conversar sobre literatura e arte em geral. Nunca conseguimos realizar esse feito. A última vez que o vi foi na Feira do Livro. Conversamos durante um bom tempo e ele disse que me mandaria seu novo livro para uma apreciação. Nunca enviou e, lamentavelmente não mais o enviará, pois alguém resolveu pôr fim a uma vida que ainda teria muito a oferecer a sua família, a seus amigos e às letras em geral.
                Nossa cidade está ficando cada dia mais violenta... Nós, a cada dia nos sentimos mais inseguros, seja em casa, seja nas ruas ou em qualquer outro lugar. Os gritos de socorro das vítimas e de seus familiares parecem não ecoar nos ouvidos das autoridades. Os homicídios, os assaltos e os demais tipos de violências já respiram ares de banalidade. E, entre as banalidades com que são tratadas as ocorrências e as boçalidades dos marginais. Vamos tentando sobreviver em nossa selva de azulejos e pedras de cantaria.