O DO(C)ENTE
José Neres
Nas últimas semanas, a mídia tem divulgado notícias acerca de situações destemperadas protagonizadas por profissionais da educação, principalmente por professores. As cenas mostram professores aos gritos diante dos alunos, mestres agredindo colegas de serviço, ou a classe inteira, e situações de conflitos que chegam até mesmo ao contato físico.
fonte da imagem: internet |
O que estará acontecendo com o corpo docente de nossas escolas? Será que os professores estão demonstrando despreparo para lidar com as situações novas que se apresentam a cada momento e para as quais não foram instruídos no período de formação? Ou será que são apenas fatos isolados explorados pela imprensa com o objetivo de vender notícias sensacionalistas?
Seria preciso um estudo bastante sério e aprofundado para chegar-se à raiz do problema e vislumbrar-se uma tentativa de solução, mas um olhar mais atencioso sobre as notícias e conversas informais com professores, alunos, pais e corpo administrativo das escolas já são suficientes para visualizar o quadro negro que se descortina não só nas salas de aula, mas também nas demais dependências das instituições escolares e até em seus arredores.
Há muito tempo o professor não é mais o profissional invejado pelo saber e nem respeitado por ocupar uma posição de destaque no panorama social. Na verdade, passou muito rapidamente da condição de detentor de altos conhecimentos que deveriam ser transmitidos a uma turma desejosa de aprender para a de administrador de conflitos e de bagunças dentro e fora das salas de aula. Em alguns casos, o mestre tem de negociar com os demais envolvidos no processo ensino-aprendizagem para que consiga terminar o horário com o mínimo possível de desgaste emocional.
Com o surgimento de tecnologias avançadas, a comunidade passou a esperar – e a cobrar – do profissional da educação não mais uma competência intelectual e o desejável domínio do assunto a ser ministrado, mas sim as qualidades de um animador de auditório. Não é rara a cena em que um professor de profundo conhecimento e bastante imbuído no desejo de ensina tem de ouvir de alunos, coordenadores e dirigentes da escola que sua aula não está agradando por ser chata e sem uso dos recursos audiovisuais e/ou de uma metodologia que fizesse o aluno sentir-se motivado a aprender. Mesmo que a instituição não ofereça a menor condição logística para que o docente transforme sua aula em um show, ele é insistentemente cobrado e avaliado negativamente por essa aparente deficiência pedagógica.
Quando, por outro lado, o professor mostra-se dinâmico, atualizado e leva recursos diversos para implementar suas atividades, ele corre o risco de ser visto pelos próprios colegas como alguém que está inflacionando o mercado; pelo corpo diretivo, como um professor modernoso, que não tem domínio de turma e que se mistura muito com os discentes. Pode ser ainda taxado pelos alunos como o professor bonzinho que não dá aula e depois quer cobrar a matéria na prova, e pelos pais como o enrolão que disfarça a falta de conhecimento com brincadeirinhas inúteis que tomam todo o tempo da aula.
Além disso tudo, ainda há a transformação da sala de aula em campo de batalha, não apenas com conflitos verbais, mas também com agressões físicas por causa de descontentamentos diversos, principalmente pela insatisfação de pais e alunos por notas. O estresse virou parte do uniforme dos professores em todos os níveis de ensino.
De modo muito rápido, o professor se viu destituído de sua autoridade e percebeu que a antiga condição de sujeito-suposto-saber está deteriorada. Ele não é visto mais como o profissional essencial para o desenvolvimento da nação. Não é mais o modelo a ser seguido pelos jovens. É visto com desconfiança na hora de comprar um produto a prazo e é apontado como exemplo cabal de que estudo a nada leva: “coitado, estudou tanto e não tem nada!”
Acuando diante de uma realidade que não lhe é favorável, o professor olha para um lado e para o outro. Percebe que está cercado de dívidas, frustrações, trabalhos para corrigir, cobranças acadêmicas e de outros inúmeros problemas. Ferido, doente, ele solta um urro de desespero, um grito de socorro que soa como uma ameaça a toda a comunidade. No lugar de receber auxílio e de ser tratado com dignidade, ele tem seu grito gravado por um aluno, que coloca o vídeo na internet. O protesto do professor virou piada mundial!
Muito bom....adorei... sou professora há somente seis anos, uma caloura, e é assim que por vezes me sinto.Perfeita descrição!!!
ResponderExcluirComo em todos os textos seus que já li, não pude parar no meio...
ResponderExcluirParabéns pelo talento de prender o leitor através de suas palavras.
Quanto ao conteúdo do post, quero dizer que concordo plenamente. Esta nossa profissão já deixou de ser (há tempos) digna de inveja por parte dos outros.
Beijos.
Origado Perla, obrigado Dorot!Infelizmente as situação é essa, mas pode melhorar. Depende, em parte, de nós.
ResponderExcluirNeres, na minha consideração, bastariam esses dois últimos parágrafos para dizer tudo o que todos nós, professores, gostaríamos de dizer. Perfeita a frase final. Parabéns, meu preto.
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