sábado, 5 de junho de 2010

NOVO LIVRO DE WALDEMIRO VIANA

A TARA SOB A TOGA
José Neres


            Criar uma obra literária a partir de um acontecimento histórico é sempre uma tarefa que exige muito cuidado por parte do escritor, que pode deixar o livro com ranço de puro historicismo sem valor estético ou descaracterizar totalmente o fato que serviu de base para a narrativa e fugir completamente do enredo original, criando uma versão quase que totalmente desvinculada do modelo adotado.
            Por outro lado há também os interesses do público leitor. Algumas pessoas querem transformar Literatura em registro fidedigno da História e não se conformam com as liberdades criativas do ficcionista que, livre das amarras da cientificidade, não tem compromisso com a verdade, precisando apenas manter uma coerência interna para com os episódios apresentados. Há quem pegue um romance, não para se deleitar com o valor artístico da obra, mas sim para apontar possíveis falhas históricas do autor. Mas também há pessoas que se sentem lesadas quando a narrativa literária fica muito colada aos acontecimentos já conhecidos e de domínio público. Tais leitores geralmente alegam que o papel do escritor é oferecer um outro olhar dos fatos, e não apenas reproduzir fontes documentais com roupagem literária.
            Buscar um equilíbrio entre a força criativa da ficção e o respeito a um roteiro já traçado pela veracidade dos fatos, entre o estilo individual e as expectativas dos leitores não é uma tarefa fácil. Mas foi o que conseguiu o escritor maranhense Waldemiro Viana, em seu mais recente romance “A Tara e a Toga”, que traz de volta às letras o conhecido crime cometido pelo desembargador Pontes Visgueiros contra sua amante Mariquinhas.
            O livro, além de presentear o leitor com uma narrativa ágil e envolvente, traz também belíssimas ilustrações assinadas pelo artista Jesus Santos, que, com seu talento já tantas vezes reconhecido, conseguiu captar a essência da narrativa e traduzir em traços e cores os momentos capitais do romance.
            Possivelmente usando como fonte de pesquisa o livro “O caso Pontes Visgueiro: um erro judiciário”, de Evaristo de Moraes e outras obras sobre o famoso caso, Waldemiro Viana reconstrói o cenário da época do crime, imiscui personagens à trama, reconstitui diálogos que poderiam ter acontecido, arquiteta situações que costuram o romance e tempera tudo com boas doses de sarcasmo, erotismo e de suspense. E ainda aproveita para homenagear alguns amigos e confrades que aparecem sutilmente em alguns momentos na trama.
            Algumas cenas do romance são antológicas, como, por exemplo, o momento em que, cego de paixão, o desembargador vai ao Largo dos Remédios e lá encontra sua amada nos braços de outro. A fúria toma conta do velho magistrado que, vendo-se traído, toma satisfações de sua protegida e desce aos mais baixos degraus da escala humana, vivendo, em um curtíssimo intervalo de tempo, sensações que vão do ódio profundo à vergonha de ver a própria família a presenciar seu vexame, passando também pela humilhação de ter sua vida íntima exposta em público, pelo desespero de conviver com a impotência física e moral e, ao mesmo tempo pela certeza da dependência dos vícios e dos prazeres carnais proporcionados pela infiel amante. A cena final do livro também é carregada de ironia e de uma pitada de bom humor, sem perder o foco da narrativa.
            Outra cena muito importante e que terá significativo valor para o desfecho da obra é a da estada de Pontes Visgueiro no Piauí. Os episódios se encaixam de modo perfeito e divertem o leitor com o canhestro casal que se forma a partir de um encontro fortuito. O contraste entre a decadência física do desembargador e suas atitudes de incorrigível conquistador demonstra a habilidade do romancista em oscilar entre o trágico e o cômico com a mesma destreza.
            Muito mais que narrar uma história tantas vezes contata e recontada e que já faz parte do conhecimento público, Waldemiro Viana aproveitou as quase duas centenas e meia de páginas do livro para traçar um perfil psicológico das duas personagens centrais. No entanto, o desembargador é o que recebe maior atenção na construção da personalidade. Sua figura caricata desperta no leitor um misto de pena e riso. O ridículo, em várias passagens da obra, serve como contraponto do drama existencial vivido por um homem dividido entre a sisudez da toga e as alegrias de poder realizar suas taras, não importando o preço a ser pago no balanço final.
            Com mais esse livro, Waldemiro Viana presta um importante serviço aos admiradores de sua obra, da boa literatura e  até mesmo àquelas pessoas que querem apenas divertir-se com as efemérides de nossa História.

Um comentário:

  1. fiquei curiosa em lê esse livro! vc me empresta? prometo que devolverei!Beijossss

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