ANA JANSEN: MITO, PERSONAGEM E
MULHER
José Neres
Fonte da imagem: Capa do livro (divulgação) |
Três décadas depois de estrear no
mundo do teatro como autora, a contista, poetisa e teatróloga Lenita Estrela de
Sá trouxe de volta às prateleiras de nossas cada vez mais escassas livrarias e
também às modernas lojas virtuais a terceira edição de seu mais conhecido
livro: “Ana do Maranhão”.
Mas o que tem de especial esse
livro para que ele resistisse a trinta anos fora das estantes, mas sempre vivo
nos olhos e no imaginário dos leitores? Para começar, Trata-se de uma obra que,
de uma só vez pode servir para desmistificar duas ideias que fazem parte do
senso comum e que nem sempre podem ser comprovadas literariamente. A primeira
de que as obras da juventude dos autores são meros ensaios para uma produção
mais madura. No caso de “Ana do Maranhão”, de Lenita Estrela de Sá, fica
patente que a escritora já demostrava maturidade artística desde sua juventude
e de suas primeiras incursões pelas letras. Segundo: o livro também põe em
cheque a ideia de que não é possível fazer boa literatura a partir de uma
personagem histórica.
Na peça,
a escritora retoma a mítica e lendária figura de Ana Joaquina Jansen Pereira,
mulher forte e determinada que entrou para a historiografia oficial como Ana
Jansen e para o imaginário popular como Nhá Jança, Nhá Jansen ou Donana Jansen.
A emblemática figura de Ana Jansen serviu de mote para diversos estudos como os
de Jerônimo de Viveiros e Jomar Moraes ou, mais recentemente, para capítulos de
trabalhos de pesquisadores como Henrique Borralho e Luiz Tavares, servindo
também para alimentar a literatura, como
no caso do livro “Quem tem medo de Ana Jansen”, de Wílson Marques, ou mesmo o
até hoje controverso Ana Jansen, de Ribeiro.
Fonte da imagem: www.estreladesa.com.br |
Mas a Ana
Jansen de Lenita Estrela não tem o interesse apenas de resgatar uma figura
histórico-lendária, ela humaniza quem é visto como monstro pela maioria das pessoas.
A Ana Jansen do livro está tão preocupada com as articulações política quanto
com o bolo de macaxeira que está sendo preparado para a família. Ela não aceita
as normas vigentes da época de que “Mulher nasceu para parir” e de que
“política não é assunto para moça”. Ela tem plena consciência de não deixar de
ser mulher por não aceitar ser dominada pela sociedade falocrática da época.
Recorrendo
à técnica do jogo de planos como mudança de cenários e da mescla de seres
históricos com criações ficcionais, a autora faz suas personagens avançarem ou
recuarem no tempo, compondo uma tessitura que leva a quem lê o livro ou assiste
à peça sentir as tramas que eram articuladas nos diversos recintos da cidade.
As poucas
páginas do livro, eivadas de rápidos diálogos que mesclam acurada pesquisa
histórica sobre a personagem e o poder criador de alguém que domina a técnica
teatral, levam leitor a conhecer um pouco de um polêmico momento histórico do
Maranhão e ao mesmo tempo divertir-se com as peripécias perpetradas pelas
personagens na defesa de seus interesses.
As
escolhas lexicais e temáticas de Lenita Estrela de Sá não poderiam ser
melhores. De forma elegante e coerente, ele humaniza uma personagem de quem muitos
sentiam (e sentem) verdadeiro pavor e mostra que, por trás de uma personagem ou
de um mito pode haver uma pessoa comum, com todas as qualidades e defeitos que
podem levar alguém a perpetuar-se no tempo ou cair no limbo do esquecimento.
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