Caros amigos, no número atual da Revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa (que está nas bancas), publicamos o seguinte artigo que agora disponibilizo para vocês. Vale a pena adquirir a revista para ler também os outros estudos, que estão muito bons.
MUTAÇÕES
VOCABULARES
José
Neres[1]
Em uma época quem que mutação é um
tema constante nos quadrinhos, nas tevês e nos cinemas, inundando o imaginário
de jovens e adultos com a ilusão de poderes além dos limites humanos, a maioria
das pessoas, no afã de acompanhar as milionárias produções cinematográficas,
esquece-se de que todos nós, diariamente, passamos por pequenas mutações no
corpo, no vestuário, nos tratamentos cotidianos e, principalmente, na linguagem.
Uma língua é um elemento vivo que
também evolui e que se transforma a cada minuto. Palavras e expressões que
marcam uma geração podem facilmente ser esquecidas na década seguinte. Algumas
pessoas se espantam com a velocidade com que o idioma assimila alguns vocábulos
e com sua tendência a descartar elementos linguísticos que, à primeira vista,
pareciam eternos e imunes às mudanças.
Mesmo que cause estranheza, essa
evolução da língua é parte da eterna necessidade de renovação a que todos estão
irremediavelmente atados. Não se trata, portanto, de dizer que uma língua está
sendo destruída por seus falantes atuais ou que as “pessoas de antigamente”
tinham mais cuidado com o vernáculo, ou, pior ainda, de preconizar que “os
jovens estão matando o idioma” cada vez que falam. O que há, na verdade, é uma
adequação da linguagem a uma época é às situações impostas pelo próprio
cotidiano.
No entanto, mesmo as pessoas que
tentam não recender um ranço de passadismo se veem vez ou outra espantadas com
a mutação de algumas palavras que circulam com desenvoltura no vocabulário
atual. Em alguns casos, o significado da palavra mutante em nada lembra a
essência do estágio anterior da língua. Dessa forma, as mutações vocabulares
citadas a seguir podem causar estranheza a quem não observe com cuidado as
falas que ecoam nas ruas, nos shoppings e até nas escolas, mas já são bastante
familiares aos ouvidos de todos nós.
O conhecidíssimo ato de NAMORAR de
forma descompromissada teve diversas modificações e hoje pode ser encontrado na
forma de FICAR, de PEGAR, de PASSAR O SAL e até mesmo de um estranhíssimo
ESPOCAR, que suscitam frases interessantes como: “Estou espocando uma mina de
tua rua” ou “Já passei o sal em tua prima”. Tudo muito romântico!
Acompanhando esse ritmo moderno, o
namorado e namorada, que outrora eram apresesentados à familiares e amigos como
sendo apenas mais um amigo ou amiga mais querido/a, hoje assumem a forma de
NAMÔS, FICANTES ou PEGUETES, e quando o rapaz se vê em uma situação indecisa
entre o namoro é um compromisso mais sério passa a ser identificado pelo
círculo de amizade como o NAMORIDO da garota.
As adolescentes compartilham suas preocupações,
anseios e segredos com sua BFF (Best Friend Forever), ou seja, com sua melhor
amiga e não dizem mais que algo é bastante popular ou que faz sucesso, mas sim
que TÁ BOMBANDO. O que torna um diálogo entre jovens, ou melhor, entre TEENS
quase indecifrável para quem não tenha conhecimento dessa codificação
linguística.
O sempre educado DESCULPE-ME está praticamente
fora de uso e em seu lugar surge o enigmático FOI MAL, quase sempre dito de
modo vago e com uma entonação arrastada que se prolonga no vazio do tempo.
Outra palavra que vem perdendo
terreno no dia a dia é OBRIGADO, que, depois de décadas e mais décadas brigando
para ter sua forma feminina usada de acordo com a norma culta, agora se vê
definitivamente sufocada pelo sisudo VALEU.
Alguns profissionais vem
substituindo os tradicionais SIM SENHOR, SIM SENHORA e POIS NÃO pela expressão
NA HORA, dita de forma efusiva, deixando bem claro que a clientela será
atendida com rapidamente.
Estruturas solidificadas como TCHAU,
ATÉ LOGO, ESTOU INDO e VOU-ME EMBORA praticamente fundiram-se em uma forma
extremamente contraditória e direta. Um simples, rápido e sintético FUI resolve
todos os problemas sem precisar de explicações ou das convencionais despedidas.
Atualmente, poucos são os que
convidam os amigos para um ANIVERSÁRIO, pois é mais prático convidá-los para o
NÍVER, de preferência com poucas pessoas, para evitar gastos desnecessários e
com uma vela em forma de interrogação, para preservar a discrição sobre a idade
do dono da festa.
Alguns pequenos cacoetes da fala não
se contentaram com as visíveis mutações, mas também se acasalaram e trouxeram à
luz o famigerado TIPO ASSIM, que nada acrescenta à praticidade discursiva, mas
que serve para enfeitar o vazio conteudístico de tanta gente que adora falar,
mas que pouco tem a dizer.
A relação é longa poderia se
estender por páginas e mais páginas, pois em uma era de comunicação instantânea
em que primos viram plimos (ou pliminhos) na internet, mutações como V6
(vocês), 4ever (do inglês forever/para sempre), ctz (com certeza), qq
(qualquer), vlw (valeu) começam a fazer parte do cotidiano dos falantes da
língua e tendem a evoluir para outras formas ainda mais cifradas. Resta então a
cada pessoa aprender a conviver com esses mutantes de maneira harmônica ou
então viver em um quase isolamento linguístico.
Mesmo com algumas pessoas revoltadas
com essas mudanças, não adianta abrir guerra contra essas mutações, elas fazem
parte da evolução da língua e, com o passar do tempo, umas desaparecerão,
algumas poderão se integrar definitivamente à língua e outras sofrerão novas
mutações, fazendo com que as pessoas de hoje considerem muito estranho o
vocabulário usado em um futuro muito próximo.
[1] Mestre em Educação pela
Universidade Católica de Brasília. Professor da Faculdade Atenas Maranhense –
FAMA. E-mail: joseneres@globo.com
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