A TARA SOB A TOGA
José Neres
Por outro lado há também os interesses do público leitor. Algumas pessoas querem transformar Literatura em registro fidedigno da História e não se conformam com as liberdades criativas do ficcionista que, livre das amarras da cientificidade, não tem compromisso com a verdade, precisando apenas manter uma coerência interna para com os episódios apresentados. Há quem pegue um romance, não para se deleitar com o valor artístico da obra, mas sim para apontar possíveis falhas históricas do autor. Mas também há pessoas que se sentem lesadas quando a narrativa literária fica muito colada aos acontecimentos já conhecidos e de domínio público. Tais leitores geralmente alegam que o papel do escritor é oferecer um outro olhar dos fatos, e não apenas reproduzir fontes documentais com roupagem literária.
Buscar um equilíbrio entre a força criativa da ficção e o respeito a um roteiro já traçado pela veracidade dos fatos, entre o estilo individual e as expectativas dos leitores não é uma tarefa fácil. Mas foi o que conseguiu o escritor maranhense Waldemiro Viana, em seu mais recente romance “A Tara e a Toga”, que traz de volta às letras o conhecido crime cometido pelo desembargador Pontes Visgueiros contra sua amante Mariquinhas.
O livro, além de presentear o leitor com uma narrativa ágil e envolvente, traz também belíssimas ilustrações assinadas pelo artista Jesus Santos, que, com seu talento já tantas vezes reconhecido, conseguiu captar a essência da narrativa e traduzir em traços e cores os momentos capitais do romance.
Possivelmente usando como fonte de pesquisa o livro “O caso Pontes Visgueiro: um erro judiciário”, de Evaristo de Moraes e outras obras sobre o famoso caso, Waldemiro Viana reconstrói o cenário da época do crime, imiscui personagens à trama, reconstitui diálogos que poderiam ter acontecido, arquiteta situações que costuram o romance e tempera tudo com boas doses de sarcasmo, erotismo e de suspense. E ainda aproveita para homenagear alguns amigos e confrades que aparecem sutilmente em alguns momentos na trama.
Algumas cenas do romance são antológicas, como, por exemplo, o momento em que, cego de paixão, o desembargador vai ao Largo dos Remédios e lá encontra sua amada nos braços de outro. A fúria toma conta do velho magistrado que, vendo-se traído, toma satisfações de sua protegida e desce aos mais baixos degraus da escala humana, vivendo, em um curtíssimo intervalo de tempo, sensações que vão do ódio profundo à vergonha de ver a própria família a presenciar seu vexame, passando também pela humilhação de ter sua vida íntima exposta em público, pelo desespero de conviver com a impotência física e moral e, ao mesmo tempo pela certeza da dependência dos vícios e dos prazeres carnais proporcionados pela infiel amante. A cena final do livro também é carregada de ironia e de uma pitada de bom humor, sem perder o foco da narrativa.
Outra cena muito importante e que terá significativo valor para o desfecho da obra é a da estada de Pontes Visgueiro no Piauí. Os episódios se encaixam de modo perfeito e divertem o leitor com o canhestro casal que se forma a partir de um encontro fortuito. O contraste entre a decadência física do desembargador e suas atitudes de incorrigível conquistador demonstra a habilidade do romancista em oscilar entre o trágico e o cômico com a mesma destreza.
Muito mais que narrar uma história tantas vezes contata e recontada e que já faz parte do conhecimento público, Waldemiro Viana aproveitou as quase duas centenas e meia de páginas do livro para traçar um perfil psicológico das duas personagens centrais. No entanto, o desembargador é o que recebe maior atenção na construção da personalidade. Sua figura caricata desperta no leitor um misto de pena e riso. O ridículo, em várias passagens da obra, serve como contraponto do drama existencial vivido por um homem dividido entre a sisudez da toga e as alegrias de poder realizar suas taras, não importando o preço a ser pago no balanço final.
Com mais esse livro, Waldemiro Viana presta um importante serviço aos admiradores de sua obra, da boa literatura e até mesmo àquelas pessoas que querem apenas divertir-se com as efemérides de nossa História.
fiquei curiosa em lê esse livro! vc me empresta? prometo que devolverei!Beijossss
ResponderExcluir