terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

TRÊS VITRINES DESPEDAÇADAS

 TRÊS VITRINES DESPEDAÇADAS

 


José Neres

                Educação, cultura e meio ambiente são três vitrines que constantemente são exploradas por todos os gestores públicos durante as campanhas eleitorais, mas que costumam ser esquecidas nos momentos seguintes. Os nefastos resultados desses abandonos tornam-se visíveis tanto nos indicadores sociais (quase sempre eclipsados pela ênfase na infinita reprodução de uma política de pão e circo) quanto no dia a dia, a partir de uma observação atenta do que ocorre na vida pública e na vida privada.

                Educação é algo essencial para o desenvolvimento de um povo. Contudo, fica difícil pensar em uma educação de qualidade  quando alunos, professores, familiares e demais atores sociais se veem imersos em problemas que envolvem estruturas deficientes, descaso para com a formação continuada dos docentes, desvalorização salarial, ausência quase total de um projeto político-pedagógico prático e eficiente e de algo que estimule o alunado a permanecer na sala de aula e o faça perceber que a educação é algo de vital importância para a realização de um projeto de vida, qualquer que seja ele.

                É também difícil esperar que o alunado se sinta motivado para ir à escola quando há faltas de professores de praticamente todas as disciplinas e a maioria desses profissionais da educação vive na amarga margem do não saber se seus contratos serão ou não renovados e se irão ou não trabalhar com as disciplinas para as quais se prepararam durante toda a vida acadêmica. É muito difícil esperar que nossos professores se sintam confortáveis diante da falta de uma sala de aula onde impera a sensação de insalubridade: temperatura elevada, água de qualidade duvidosa, pouca acessibilidade, turmas superlotadas e cobranças que ultrapassam os limites de suas forças...

                Outra vitrine abandonada é a cultura. Em momentos específicos, ela recebe uma espécie de maquiagem para parecer que é bem cuidada. Os gestores quase sempre se esquecem de que há inúmeros aspectos culturais em uma sociedade e se limitam a cuidar (parcamente) daquilo que poderá ser exposto para um público ávido de diversão imediata. Não são raros os casos em que aspectos culturais locais são preteridos em prol de expressões que pouquíssima relação têm com as singularidades do povo de determinada região, ou seja, aquilo que deveria ser valorizado e incentivado acaba sendo desprezado por quem tem as chaves do cofre.

                Dessa forma, o artista local, boquiaberto, vê verbas estratosféricas sendo destinadas a personalidades consagradas, enquanto ele – o artista local – precisa mendigar por um pouco de atenção do público e pelas sobras de um dinheiro mirrado que muitas vezes custa a sair e que, quando sai, pode ser à custa de muita humilhação. Será que é assim que se promove a cultura?

                Finalmente o meio ambiente. Essa deveria ser outra vitrine, assim como a cultura, preparada para servir ao bem-estar da população local e como forma de atrair turistas dos mais diversos espectros. No entanto, parece ser mais fácil passar uma demão imaginária de tinta verde em tudo e divulgar a ideia de que ali existe uma defesa racional do ambiente. Enquanto isso, a água servida continua escorrendo a céu aberto, os resíduos sólidos continuam sendo descartados de maneira irregular, os dejetos humanos continuam sendo despejados em rios e praias, as árvores continuam sendo devastadas e o ar continua carregado de substâncias nocivas à saúde.

                Essas três vitrines – e tantas outras – precisam ser tratadas com um cuidado que vá além das promessas eleitorais e eleitoreiras. Elas são, em sua essência, fundamentais para o planejamento de um futuro mais justo, sustentável e eficiente. Pena que depois do resultado das urnas, os vencedores se esqueçam das promessas firmadas nos palanques, e os derrotados passem a utilizá-las como escada para um novo palanque.

                No final, nada fica resolvido! E fica o dito pelo não dito.

domingo, 24 de maio de 2015

O QUE IMPORTA AGORA TANTO

OS FLASHES POÉTICOS DE FÉLIX ALBERTO LIMA

José Neres



            Alguns grandes nomes da literatura mundial como, por exemplo, o romano Catulo e o brasileiro Manuel de Barros nos ensinaram que a Poesia pode estar entranhada até mesmo nas coisas mais simples da vida, cabendo ao poeta a missão de traduzir em palavras aquilo que nem sempre é visível para quem encara o mundo apenas com os olhos do pragmatismo. A Poesia está em todos os lugares e às vezes grita para ser encontrada, para sair do campo das ideias mostrar-se ao mundo em forma de palavras.
            Mas nem todos têm a sensibilidade enxergar pelas frestas do cotidiano e dali extrair a seiva necessária para transformar breves observações em obra de arte. Felizmente, para o bem do mundo, algumas pessoas andam por aí atentas aos sussurros da Poesia e conseguem, em poucos versos, em poucas palavras, transformar momentos efêmeros em eternidades. Para felicidade, nossa um dessas pessoas é o maranhense Felix Alberto Lima, recentemente publicou seu livro “O que importa agora tanto”.
            Logo ao pegar o livro, o leitor sente logo o cuidado gráfico da Editora 7Letras, com uma diagramação leve e que visa a valorizar o texto sem cansar os olhos de quem se propõe a ler a obra. Na orelha, no prefácio e na contracapa, nomes consagrados como Zeca Baleiro, Salgado Maranhão, Antônio Carlos Secchin, Domício Proença Filho e Geraldo Carneiro saúdam o jovem autor e passam suas impressões a respeito do estro poético desse jornalista e pesquisador que já enveredou por tantos caminhos nas letras, mas que somente agora decidiu mostrar ao público seus versos.
            Mas é preciso ir além da perigrafia textual para que o leitor perceba que os elogios que cercam o volume não são meras formalidades. Ao passar as páginas, pode-se perceber que os poemas enfeixados por Felix Alberto Lima no livro, apesar de apresentarem algumas irregularidades, primam pelo senso estético e estão eivados de qualidades poéticas de alto nível, rendendo excelentes páginas poéticas carregadas daquelas características fundamentais preconizadas por Ezra Pound: as imagens poéticas (fanopeia), a ênfase na sonoridade (melopeia), sem deixar de lado os aspectos intelectuais da poesia (logopeia).
            Uma das principais características de “O que me importa agora tanto” é a preocupação com o uso das palavras em busca da melhor solução poética para a ideia que tem que se transformar em verso. Desse trabalho com a linguagem surgem páginas antológicas em que a simplicidade das palavras contrasta com a complexidade de algumas imagens poéticas, como, por exemplo, no poema Passe Livre, (mais de sessenta anos de idade / uma vida inteira de altruísmo / e olha ele ali ainda / na fila da felicidade), no qual o poeta mostra ao leitor mais do que as palavras dizem e, em uma junção do título com o corpo do poema deixa para o leitor diversos questionamentos que só podem ser respondidos com um mergulho na realidade que se esconde por trás das palavras.
            A sensualidade é outra marca do livro. Em poemas como Fetiche (não sei se ela finge / nas noites de gueixa / ou nas tardes de esfinge), Voyeur (por trás da persiana / há uma mulher de lingerie / tocando-se à paisana) e em alguns outros, o jogo de esconder é a principal arma do poeta para descrever cenas que podem despertar a imaginação do leitor sem necessidade de apelar para a descrição explícita da beleza da cena.
            Muitas outras temáticas podem ser encontradas nesse livro de Félix Alberto Lima, que, como afirmou Salgado Maranhão no prefácio da obra, age como uma espécie de “flâneur da vida banal”, a passear poeticamente por diversos recantos e retirando de acontecimentos aparentemente comuns a matéria-prima para a construção dos poemas que compõem o livro. No meio de abordagens sociais, temas existenciais e de críticas ao cotidiano, o poeta ainda encontrou espaço para diversas incursões na metalinguagem, explicando que escreve “como / quem caminha / pelo tempo / no centro da cidade”, e ainda por cima explica um estilo em que: “sem par / não faço / poesia / com a / mão / apenas / fricção.”

            Sem dúvida, o já aclamado pesquisador e jornalista Félix Alberto Lima entra no mundo da Poesia pela porta da frente, sabendo que no mundo das artes, tudo importa, e tudo pode ser traduzido em versos.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

LANÇAMENTO

LANÇAMENTO DE LIVRO


TODOS ESTÃO CONVIDADOS


TÍTULO: Secretariar é uma Arte: Estudos Reunidos

AUTORES: vários


ORGANIZAÇÃO: Delcimara CaldasNilzenir Ribeiro e José Neres


PREFÁCIO: Marcos Fábio


DATA: 14/05/2015 (quinta-feira)


LOCAL: Teatro Zenira Fiquene (Faculdade Atenas Maranhense)


HORÁRIO: a partir das 19 horas



sábado, 9 de maio de 2015

quinta-feira, 7 de maio de 2015

UM GRANDE ARTISTA MARANHENSE

NHOZINHO: O MÁXIMO NO MÍNIMO

José Neres


            Geralmente ficamos tão maravilhados com a aparente grandeza das coisas que não percebemos que há beleza também em detalhes às vezes imperceptíveis para os olhos de quem se acostumou a fixar-se apenas no que parece deslumbrante. Da mesma forma, servimos como caixa de ressonância a nomes nacional ou mundialmente conhecidos e silenciamos (ou nem mesmo conhecemos) os valores artísticos e culturais de nossa própria terra.
            Talvez por conta desse incômodo silêncio a respeito dos talentos locais, o nome de Antônio Bruno Pinto Nogueira, mais conhecido como Nhozinho, seja pouco lembrado, embora figure entre os mais originais e importantes escultores da arte brasileira do século XX.
         

Nascido em Cururupu, em 17 de maio de 1904, Nhozinho desde a infância demonstrou inclinação para as artes que exigiam atenção, perícia, precisão e habilidade.  Mal começava a entrar na adolescência, porém, começou a lutar contra uma doença degenerativa que deixaria seus membros superiores e inferiores deformados e que, posteriormente, após a amputação de ambas as pernas, iria condená-lo a locomover-se em um carrinho de madeira por ele mesmo projetado e construído, mas que atendia às suas necessidades. Para completar seu rol de provações, o artista ainda perdeu a visão do olho direito.

            Mas essas tantas dificuldades não impediram Antônio Bruno de produzir uma obra ímpar na história do artesanato brasileiro. Na verdade, parece que as extremas dificuldades serviram de ânimo para que o artista maranhense se superasse e evoluísse em seus trabalhos, deixando de ser apenas mais um artesão habilidoso e impregnando suas obras de motivos e temas da vida social e folclórica maranhense; saindo também do estaticismo das peças para imprimir ideia de movimento a suas criações.
            Dono de um estilo em que o minimalismo na escolha do tamanho das peças contrastava com a profusão de detalhes, Nhozinho se notabilizou também por registrar os tipos regionais, em uma busca de reproduzir elementos representativos de seu povo e de sua época. Observando-se atentamente as obras desse artista, muitas vezes com a necessidade de uma lente de aumento, é possível perceber a riqueza de detalhes e o desejo dele em eternizar em suas peças detalhes que passavam despercebidos. De alguma forma, guardadas as proporções e respeitados os estilos, pode-se dizer que Nhozinho registrou e esculpiu em buriti e outros suportes o dia a dia da gente de sua época, tal qual o poeta latino Catullo imortalizou em palavras o próprio cotidiano e as inquietações dos seus contemporâneos romanos. Em Roma, Catullo decidiu esculpir sua época com palavras em suas famosas nugae. Séculos depois, no Maranhão, Nhozinho optou por narrar em mínimas esculturas as grandezas esquecidas de seu povo.
            O artista faleceu em São Luís poucos dias depois de completar seu septuagésimo aniversário, no dia 23 de maio de 1974. Como a maioria dos artistas populares, Nhozinho também teve seu trabalho relegado ao olvido, mas aos poucos vem sido resgatado graças aos esforços de pesquisadores como Zelinda Lima, que muito lutou pelo reconhecimento desse artista, e de Roldão Lima, autor do livro “Vida e Arte de Nhozinho”, publicado cinco anos após o passamento do escultor.
            Mais recentemente o trabalho desse fantástico artista tem despertado o interesse de intelectuais como, por exemplo, Paulo Herkenhoff, Lélia Coelho Frota e Luciana Carvalho, todos reconhecidos nacionalmente como alguns dos mais representativos estudiosos das artes brasileiras.

      Atualmente, boa parte da produção do mestre maranhense pode ser visitada na casa-museu que leva seu nome (Rua Portugal, 185, Centro Histórico).  Sua vida e sua obra também já renderam alguns artigos, exposições e livros, como “Nhozinho: Imensas Miudezas”, que reúne trabalho de diversos pesquisadores. Mas ainda há muito a ser descoberto e (re)avaliado na obra desse artista que transformou deficiência em eficiência soube colocar o máximo de seu talento no mínimo espaço necessário à realização de seus sonhos artísticos.

sábado, 2 de maio de 2015

UMA MONOGRAFIA ESPECIAL

        Lembranças

        Guardo com muito carinho uma cópia da monografia de conclusão do Curso de Letras de autoria de Silvia Amélia Franklin da Costa Morais, defendida em 2004 na Faculdade Atenas Maranhense, e orientado pela professora Elaine Raulino.
       O trabalho intitulado A MULHER DE POTIFAR: UMA LEITURA DIALÓGICA foi a primeira e, que eu saiba, única monografia sobre meu trabalho literário.
        Lembro-me que Silvia Amélia muito penou, pois havia muitas pessoas tentando dissuadi-la. Para tais pessoas, não valia a pena dispender tanto esforço para falar de um autor desconhecido. Sílvia Amélia lutou contra essa maré de pessimismo e, mesmo vindo de uma família de notáveis homens de letras, continuou firme na ideia de fazer o TCC sobre meu livro. 
       Lembro esse episódio para lembrar que os escritores novatos tendem a encontrar todas as portas fechadas. Tanto as portas dos meios de comunicação quanto a da cabeça de diversas pessoas que acreditam que o estudante não pode inovar nem buscar outras obras ou autores para estudar. Parece que só os clássicos têm espaço nos bancos escolares e das universidades. 
       Não concordo com isso. Acredito que há espaço suficiente para colocar lado a lado o clássico e o moderno e que quando alguém se propõe a escrever e publicar um livro, esse alguém não quer apenas ganhar dinheiro com a obra (o que seria uma ilusão maior ainda), mas sim ser lido e, se possível comentado. 
       Há muitos jovens escritores que ficaram felizes apenas em saber que uma pessoa, fora dos círculos de amizade ou do grupo familiar, leu aquele trabalho tão suado, vindo à luz à custa de tantos sacrifícios.
       Hoje, mais de uma década depois, pego a monografia, folheio suas páginas e penso na coragem daquela mulher que não se curvou aos desejos alheios e que enfrentou uma banca para falar sobre um mundo literário ainda inexplorado. Penso também em quantas outras pessoas não já tentaram fazer trabalhos sobre outros tantos autores desconhecidos, que não puderam seguir adiante por falta de coragem, força ou incentivo...


         
        



DOIS VÍDEOS


MISTÉRIO NA CASA DE CULTURA

Resenha:

UM MISTÉRIO EM ITAPECURU

José Neres
(Professor, escritor e membro da Academia Maranhense de Letras)

           
A distância entre as cidades ditas interioranas e a capital do cada Estado da Federação, não pode ser medida apenas em quilômetros ou em horas de viagem, mas também em uma espécie de vácuo no que diz respeito à produção cultural de cada município. Parece que há uma cortina ou barreira invisível que impede a troca de informações culturais entre as diversas regiões de um mesmo território. Desse modo, o que é feito em uma cidade parece não surtir nenhum efeito nas circunvizinhanças, assim como a produção intelectual da capital parece também não atingir as demais cidades do mesmo Estado.
            No caso do Maranhão como praticamente em todo o Brasil, as cidades que têm uma, às vezes, efervescente vida cultural, veem quase todos os esforços de seus produtores toldados por uma nuvem de descaso por parte da maioria das autoridades constituídas, de silêncio por parte da imprensa local e pela indiferença de um público-alvo que nem sempre atende aos desesperados clamores dos artistas locais.
            Por essas razões, e por muitas outras, possivelmente nem todos os leitores e até mesmo pesquisadores da literatura maranhense, não conhecem o pequeno romance “O Mistério da Casa de Cultura” publicado há pouco tempo pela jovem e talentosa escritora itapecuruense Samira Diorama da Fonseca.
            A trama do livro segue deliberadamente a trilha de mistério e investigação que anda tão em voga atualmente e que tem em Dan Brown um de seus principais ícones para uma nova geração de leitores que começa a tomar gosto pela leitura de textos literários. O corpo de um jovem é encontrado dentro da Casa de Cultura de Itapecuru, levando as pessoas da cidade e, principalmente, os amigos mais próximos do falecido a uma grande comoção. Poderia ser apenas mais um jogo de intrigas para tentar-se descobrir quem é o autor de um crime que ficou encoberto por uma hipótese de suicídio.
            Sem muito esforço o leitor logo é conduzido para a descoberta tanto do mandante como do executor do assassinato. Não reside aí o mistério de que fala o título do livro, mas sim nas motivações que levaram ao homicídio. Sutilmente, o leitor é conduzido para um passeio pela história e pelas ruas da cidade, conhecendo alguns seus principais pontos históricos, revisitando importantes, e, muitas vezes, esquecidas personagens, mas que foram vitais para a construção identitária do município e da história de seu povo.
            Para compor seu cenário literário, Samira Diorama mescla aventura, mistério, planos mirabolantes, busca de tesouros escondidos e até mesmo algumas – às vezes desnecessárias – incursões no campo da espiritualidade. De modo geral, a aparente fragilidade na construção de algumas personagens é compensada por um estilo ágil e por uma boa concatenação dos episódios, o que possibilita que a leitura seja feita de um fôlego e que o leitor também se sinta como mais um componente na trama em busca dos verdadeiros fatores que levaram à execução do jovem e curioso pesquisador.
            Utilizando a técnica de compor capítulos curtos e ágeis, a escritora consegue imprimir a seu texto a uma série de peripécias que irão culminar em um clímax, que pode até ser previsto pelos leitores mais experientes, mas que vem condimentado com temperos colhidos em nossa própria terra e com a cor local.

            Com seu romance, Samira Diorama da Fonseca passa a integrar um ainda incipiente grupo de jovens mulheres que vêm se dedicando à prosa de ficção em nosso estado. Essa ainda pouco estudada safra de mulheres ficcionistas já conta com nomes como Lorena Silva, Laura Barros, Heloísa Helena, Ahtange Ferreira,. Grupo esse que ainda contribuirá muito para as nossas letras.


TÍTULO: Mistério na Casa de CulturaAUTORA: Samira Diorama da FonsecaEDITORA: NelpaANO: 2013PÁGINAS: 162CATEGORIA: FICÇÃO INFANTO-JUVENIL

domingo, 4 de janeiro de 2015

NOVAS LUZES SOBRE A VIDA E A OBRA DE MARIANA LUZ

NOVAS LUZES SOBRE  MARIANA

José Neres

            Entrei em contato pela primeira vez com os versos de Mariana Luz por indicação do poeta Theotônio Fonseca, que me forneceu uma cópia xerografada do livro Murmúrios. Li os poemas e muito me impressionei com a dicção poética daquela escritora pouco lembrada em nossas letras. Baseado na leitura do livro, escrevi o artigo Os Murmúrios de Mariana, publicado no jornal O Estado do Maranhão em março de 2007.
Capa do livro de Jucey Santana
            Ri e reli o livro diversas vezes, mas raríssimas vezes tive o prazer de ler ou ouvir o nome dessa escritora em artigos, cursos ou palestras. Percebi que muitas pessoas, mesmo algumas diretamente envolvidas com a Literatura, desconheciam a existência daquela itapecuruense que brincava com as palavras de forma bastante lírica e competente. Parecia que a segunda mulher a ingressar na Academia Maranhense de Letras estava fadada ao esquecimento e que sua obra dialogaria para sempre apenas com o silêncio e com a indiferença.
            Foi então com um misto de alegria e surpresa que adquiri o livro Mariana Luz: Vida e Obra e Coisas de Itapecuru-Mirim, de autoria de Jucey Santos de Santana, bacharela em Direito, pesquisadora e membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes, e confessamente admiradora da obra de Mariana Luz.
            Trata-se de uma obra alentada, com mais de 450 páginas, mas que pode ser lida com facilidade, dada a leveza com que a autora traça o perfil biobibliográfico da poetisa biografada, jogando luzes sobre a vida e a obra de uma escritora que merece ter sua obra estudada e seus versos lidos e analisados pelas novas e pelas gerações.
            O livro de Jucey Santana encontra-se dividido em três partes. Na primeira, a escritora reúne o resultado de quatro anos e oito meses de pesquisas baseadas em documentos escritos e em depoimentos orais sobre diversos momentos da vida e da produção literária de Mariana Luz. Nesse capítulo do trabalho, o leitor acompanhará os percalços e as alegrias vividas pela poetisa, que passou por momentos de extrema necessidade financeira e que, mesmo reconhecida em vida por seu trabalho como professora e como escritora, enfrentou inúmeras dificuldades para publicar e divulgar seus trabalhos.
            A segunda parte do livro oferece ao leitor a oportunidade de entrar em contato direto com os poemas de Mariana Luz. Além de reproduzir Murmúrios, o único livro conhecido da poetisa, a pesquisadora reúne diversos outros trabalhos da escritora, inclusive trecho de seu discurso de posse na Academia Maranhense de Letras, a homenagem de seu sucessor na AML, Felix Aires, além de crônicas e uma peça teatral assinada pela poetisa. Chama também atenção nessa parte central do livro o resgate de algumas facetas menos conhecidas de Mariana Luz: seus cantos litúrgicos e as orações de cunho religioso.
            A terceira parte do volume, intitulada Coisas de Itapecuru-Mirim é um trabalho à parte e que poderia vir enfeixado em um outro volume sem prejuízo para o estudo sobre a autora de Murmúrios. Trata-se de um breve levantamento de situações ocorridas naquele município e que se não fossem recortadas e recontadas pela pesquisadora poderiam cair no vácuo do esquecimento.
            Possivelmente não faltará quem se levante para questionar os métodos de pesquisa e a estruturação do trabalho de Jucey Santana. Mas, no meu modo de ver, ela alcançou seu objetivo maior, que era resgatas das ondas do olvido a emblemática e até mesmo polêmica figura de Mariana Luz, oferecendo aos pesquisadores, admiradores ou mesmo curiosos da obra dessa poetisa oportunidade de um mergulho um pouco mais profundo do que a maioria dos trabalhos que já foram feitos sobre a autora.
            Seria bom se em cada município de nosso imenso Maranhão houvesse alguém disposto a empreender um estudo que resgatasse alguns de nossos valores esquecidos. Assim, nossa fortuna crítica seria bem maior do que a que temos hoje em dia.

PS: Agradeço também ao escritor, acadêmico, jornalista e amigo Benedito Buzar por me apresentar o livro comentado acima



sexta-feira, 1 de agosto de 2014

TRISTES PERDAS PARA A LITERATURA

PERDAS LITERÁRIAS
José Neres


Juan Gelman
                O ano de 2014 vem sendo extremamente cruel para com as letras. Mal passamos da primeira metade do ano e já temos motivo para lamentar o passamento de diversos escritores. Como nem todos os autores falecidos faziam parte do chamado cânone literário, algumas mortes não tiveram cobertura da imprensa, mas mesmo assim tiveram a ausência sentida por parte dos admiradores de suas obras.
Gabriel García Màrquez
                Logo no início do ano, faleceu o poeta argentino Juan Gelman, homem que viveu na pele os horrores da ditadura e transformou o próprio sofrimento e a ausência dos entes queridos em versos de excelente qualidade. Outro nome de ressonância mundial que também fisicamente se calou foi o do colombiano Gabriel García Márquez, o criador do universo mágico de Macondo e ganhador do prêmio Nobel de Literatura. O sofrimento do autor de Cem Anos de Solidão foi amplamente divulgado e sua morte causou comoção entre seus leitores e o público em geral.
              
João Ubaldo Ribeiro
  A literatura nacional perdeu também alguns escritores de grande importância. De um dia para outro, perdemos o talento narrativo de João Ubaldo Ribeiro e o pensamento crítico de Rubem Alves e da poesia de Ivan Junqueira. O primeiro era conhecido por seus contos e romances extremamente bem elaborados e carregados de humor, de fina ironia e de densidade social. Livros como Viva o Povo Brasileiro, Sargento Getúlio e A Casa dos Budas Ditosos são bastante populares e inscreveram o autor na constelação dos grandes romancistas brasileiros.
               
Rubem Alves
Rubem Alves por sua vez foi um dos mais marcantes educadores do Brasil. Um pensador na melhor acepção da palavra, sempre preocupado com os rumos da educação no Brasil e com as relações entre a aprendizagem e o bem-estar físico e mental. A obra desse educador, embora já seja bastante apreciada, ainda precisa ser mais estudada e analisada, para que sua essência seja posta em prática.
             
Ivan Junqueira
   Ivan Junqueira, poeta e crítico literário, dono de grande erudição e de uma verve poética inigualável, soube transformar tudo o que tocou em poesia, uma poesia viva e que transbordou as fronteiras do eu para banhar-se nas águas da universalidade. Junqueira partiu depois de prestar relevantes serviços à cultura brasileira, seja pelo talento poético, seja pelo senso crítico que lhe permitiu ser reconhecido ainda em vida como um dos grandes nomes das letras brasileiras modernas.
               
Ariano Suassuna
Nem bem os amantes da literatura se recuperavam do choque causado pela morte dos escritores acima citados, os jornais anunciam o falecimento de Ariano Suassuna, um dos mais populares autores da literatura contemporânea brasileira. Reconhecido como um dos gênios das letras nacionais da metade do século XX e início do século XXI, Suassuna deixou-nos obras que acabaram imortalizadas no imaginário do povo, mesmo daquelas pessoas que não tiveram acesso a seus livros, pois muitos de seus trabalhos foram adaptados para a TV e para o cinema, como é o caso do Auto da Compadecida, um dos grandes sucessos da dramaturgia nacional.
               
No Maranhão também diversas perdas foram sentidas neste ano. A começar pelo historiador, contista e cronista Wilson Pires Ferro, que logo no primeiro mês cumpriu sua jornada no mundo terreno, deixando-nos como herança livros como Quando eu era Pequenino e Depois que o Sol se Põe.
           
José Chagas
     Outro passamento bastante sentido foi o do cronista e porta José Chagas. Reconhecido ainda em vida como um dos maiores literatos do Maranhão e muito apreciado por seu público, seja por sua prosa, seja por seus versos magistralmente construídos, Chagas será eternamente lembrado por livros como MaréMemória e os Canhões do Silêncio, duas obras de extrema qualidade técnica e que demostram um escritor maduro e consciente de seu papel como formador de opinião, sem abrir mão da arrojada tessitura poética.
               
Ubiratan Teixeira
Ubiratan Teixeira, jornalista, teatrólogo, cronista e ficcionista, foi outro nome que deixou um vazio em nossas letras. Dono de um estilo inconfundível que privilegiava as classes menos abastadas da sociedade, denunciando as mazelas sociais e dos descasos para com a cultura do Estado, o Velho Bira, como também era conhecido, imprimiu suas digitais nas letras não só do Maranhão, mas de todo o Brasil, ao produzir livros como Vela ao Crucificado e o Dicionário de Teatro, obra indispensável para quem aprecia as artes cênicas.
               
Menos conhecido do grande público, mas admirado pelos amantes das letras, o prosador Ariel Vieira de Moraes também partiu neste 2014. Mesmo fisicamente distante do Maranhão há vários anos, a obra de Ariel deve ser considerada como uma das mais sólidas de nossa literatura. Livros como O Anjo Modernista, Na Hora de Deus – Amém e A Cobra Divina são verdadeiras obras-primas de um autor que ainda teria muito a oferecer para nossa cultura.
                Essas perdas são irreparáveis. Mas fica o consolo de saber que esses intelectuais em muito contribuíram para que nosso universo fosse mais belo, mais poético, mais suave e infinitamente mais cheio das ricas alegorias criadas por esses homens iluminados com o dom de transformar ideias em palavras, em magia e em vida.
                Nosso muito obrigado a todos eles.


terça-feira, 13 de maio de 2014

LETRAS VIVAS: JOSÉ CHAGAS
José Neres


            As letras maranhenses contam com alguns monumentos literários que poderiam ser mais divulgados e que têm qualidades literárias suficientes para serem admirados em qualquer lugar do Brasil ou mesmo do exterior. Infelizmente, a falta de uma divulgação mais efetiva, de uma distribuição profissional das obras aqui editadas e de uma crítica especializada que leia e comente os livros com base em critérios mais teóricos que emocionais faz com que talentosos nomes que poderiam ser destacados nacionalmente acabem ficando restritos às nossas terras ou que não sejam conhecidos nem mesmo no rincão natal.
            Escritores como João Mohana, Bandeira Tribuzi, Ribamar Galiza, Fernando Moreira, Arlete Nogueira da Cruz, Aurora da Graça, Luís Augusto Cassas, José Ewerton Neto, Nauro Machado e Waldomiro Viana entre outros, poderiam ter seus trabalhos comercializados em âmbito nacional por grandes editoras, com suas produções sendo discutidas em escolas e academias, mostrando ao mundo valores que às vezes são esquecidos. Outro nome que mereceria um espaço maior para seus trabalhos é o poeta e cronista José Chagas, um dos mais talentosos e inventivos escritores da metade para o final do século XX e início do XXI.
            Nascido na Paraíba, mas radicado no Maranhão desde tenras datas, José Francisco das Chagas, ou mais simplesmente José Chagas, é o tipo de escritor que encanta e desorienta o leitor das primeiras às últimas páginas de seus livros. Mestre na arte de transformar meras palavras em obras de arte, o Poeta consegue transformar aparentes banalidades em versos de grande intensidade poética e carregados de metáforas que estão a serviço não apenas de uma estrutura formal, mas sim de um conteúdo que se desenvolve ao longo das páginas de seus diversos livros.
            José Chagas emprega em seus poemas as mais diversas formas literárias, desde os versos minuciosamente metrificados até aqueles em que a criatividade cede lugar à rigidez estrutural. Não importando a técnica utilizada, os poemas do autor de Os Telhados trazem sempre um apurado senso estético e uma criticidade que vai além daquilo que pode ser esperado em poemas que nem sempre buscam destrinçar a carga social de um povo ou de uma época.
            Muitos são os temas desenvolvidos por Chagas em seus versos, entre eles estão os relativos à infância, ao tempo, à cidade que o adotou como filho, à memória e às mazelas sociais que assolam o mundo. Diante de um quadro em que simples sussurros poderiam não surtir os efeitos desejados, o poeta solta a voz em versos altissonantes que muitas vezes fundem lamentos a gritos de revolta. O poeta parece ter consciência de que seus versos não são palavras soltas ao vento e que se perderão nos desvãos do tempo e da memória curta de um povo acostumado a ser violentado em seus direitos e permanecer calado diante das atrocidades de que é vítima. Na obra de José Chagas, as palavras são flores, mas também são armas.
            O silêncio social não faz parte do estro literário desse poeta e cronista que devotou grande parte de sua vida a observar e registrar os flashes de um cotidiano mutante. Seja em prosa, seja em versos, a literatura chaguiana é essencialmente voltada para o ser humano, buscando despertar nos leitores o interesse pelas coisas e pelos fatos mínimos, todavia vitais para as relações do homem com ele mesmo, com os outros e com os demais elementos de seu entorno. O grande interesse do Poeta não está no visível das mudanças circundantes, mas sim no inefável daquilo que parece banal para muitos e que passa despercebido diante dos olhos de quem não consegue enxergar  além das aparências.
            De certa forma, os poemas e as crônicas de José Chagas funcionam como uma espécie de lupa para ampliar detalhes e deixar mais visível um mundo que muitos fazem questão de não ver, mas que jamais deveria ser esquecido, pois é nele que vivemos e é dele que advêm todas as nossas dores, alegrias e angústia. E o mundo, filtrado pelo olhar e pelas palavras de um Poeta do nível de José Chagas, pode ser aterrorizantemente belo...   
(O Estado do Maranhão, 11 de maio de 2014)

sábado, 15 de março de 2014

UMA VAGA PARA ALUÍSIO

            José Neres
(Professor de Literatura)

Imagem retirada da reportagem da Mirante sobre o assunto

             Vários amigos me interpelaram sobre o que eu acho do fato de estarem transformando o
Casarão onde morou Aluísio Azevedo em um estacionamento rotativo. Fico triste, mas não surpreso...
Imagem retirada da reportagem da Mirante sobre o assunto
            É visível o descaso com que foi tratada nossa cidade ao longo dos anos. Vejamos: Os bustos dos escritores foram  e hoje se encontram recolhidos no Museu, sem previsão de volta; a escadaria da rua Humberto de Campos transformou-se em um mictório público; as fontes  são quase propriedade  particular de pedintes e/ou desocupados; nossas praias hoje são receptáculos de dejetos e de esgoto a céu aberto; a Praça Valdelino Cécio foi transformada em um reduto de uso e comercialização de drogas; o busto de Odorico Mendes foi roubado e possivelmente derretido para ter seu material vendido em um ferro-velho qualquer; as ruas são feudos de inescrupulosos guardadores de carro;  o calçamento da cidade é uma grande armadilha para transeuntes de qualquer idade; os casarões históricos estão entregues à própria sorte e às intempéries da natureza; nossas livrarias fecham as portas por falta de consumidores para um produto tido como luxo chamado livro; os becos são lugares perfeitos para assaltos e estupros, etc, etc, etc.
            Dessa forma jamais acreditei que o casarão de Aluísio fosse escapar a essa insanidade que ajuda destruir o que passamos séculos para conquistar. E tudo isso aconteceu e acontece bem diante de nossos olhos...
            Em qualquer lugar do mundo dito civilizado aquela casa seria um museu, um centro cultural, onde a memória e a obra de um dos maiores escritores do Brasil seriam preservadas, apreciadas e estudadas, mas isso não acontece e possivelmente nunca acontecerá.
Chegamos finalmente ao tempo em que o progresso atropela o passado e em que ter uma vaga para estacionar o carro é muito mais importante que conhecer um pouco de nós mesmos de nosso passado.

O pior é que em breve tudo isso será esquecido e nós mesmos, que hoje estamos tão revoltados com esse fato, sorridentes, pagaremos para deixar nosso veículo lá, pois para muita gente, um risco no carro dói muito mais que um arranhão na história.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

ILHAVIRTUALPONTOCOM NÚMERO 21

Chegamos a este fim de ano com a volta do nosso Ilhavirtualpontocom, desta vez com entrevista com o poeta Carvalho Junior, comentários sobre o CD Palavra Acesa de José Chagas e sobre o livro Baratão 66, além da poesia de Francinete Braga Santos. Desejamos boa leitura a todos.

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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

RAIMUNDO CORREIA: POESIA COMPLETA

RAIMUNDO CORREIA: POESIA COMPLETA
José Neres
(Professor
de Literatura)

            Raimundo Correia (1859–1911) parece ser um daqueles cultuados escritores que têm o nome lembrado em diversas obras de cunho crítico e/ou didático, que se eternizaram pelo talento e pela reprodução sistemática de dois ou três textos, mas que não conseguem transformar essa admiração em leitura atenta de sua obra.
            Em praticamente todos os livros didáticos utilizados pelos alunos do ensino médio há sempre alguns parágrafos situando o poeta maranhense entre os três mais importantes escritores do Parnasianismo brasileiro, ao lado de Olavo Bilac e Alberto de Oliveira. Geralmente há também nesses compêndios um esboço biobibliográfico do poeta, seguido da transcrição de alguns seus sonetos mais populares – quase sempre Mal Secreto, As Pombas ou A Cavalgada –, mas essas informações básicas nem sempre são suficientes para estimular nos estudantes a leitura de outras produções de Raimundo Correia.
            Mesmo que alguém se interessasse pela produção poética do autor de Primeiros Sonhos, teria dificuldades de encontrar no mercado livros que trouxessem mais textos desse poeta. E mesmo em uma busca na internet, os admiradores do escritor esbarrariam na repetição dos textos disponíveis para leitura, cerca de duas dúzias de poemas, quase sempre os sonetos mais conhecidos. Essa recorrência aos mesmos títulos pode levar alguém a pensar que Raimundo Correia fosse um escritor de poucas obras e de talento limitado, o que não é verdade.
            Recentemente, no entanto – pouco mais de um século depois da morte do poeta maranhense – chegou às livrarias um livro que tenta trazer de volta para o público leitor os poemas desse escritor que foi efusivamente elogiado por críticos do porte de Manuel Bandeira e João Ribeiro. Trata-se de “Raimundo Correia: Poesia Completa” (Café e Lápis Editora, 2012, 358 páginas), um livro que oferece ao leitor a oportunidade de entrar em contato com 325 poemas de Correia, trazendo também notas explicativas que podem ajudar a compreender alguns textos.
            Para aproximar ainda mais o leitor do sonetista parnasiano, Claunísio Amorim, responsável pela editoração, organização e revisão, além de escrever a apresentação do livro, não se limitou a reproduzir as centenas de poemas produzidos por Raimundo Correia, mas sim de também transcrever as apresentações e prefácios presentes nas primeiras edições das obras reunidas nesse volume.
            Uma das grandes qualidades de um trabalho como a edição de obra completa de um poeta é a oportunidade de entrar-se em contato diretamente com a produção do escritor, e não apenas com textos esparsos. Desse modo, o leitor pode chegar a algumas conclusões às quais não chegaria se ficasse apenas na leitura dos teóricos ou dos poemas soltos.
Uma das ideias solidificadas sobre Raimundo Correia e que pode ser questionada em uma leitura mais atenta de seus poemas é a que se refere ao negativismo que supostamente atravessa toda a sua obra. Embora fique evidente que o estilo do autor seja carregado de certa dose de pessimismo, pode-se notar também que, em variados momentos, ele despejava em seus versos um humor ácido, como, por exemplo, no poema “Ideia Entomológica”, no qual um pseudo-poeta, ao levar a mão à cabeça, no lugar de tirar idéia para um poema, só consegue encontrar um piolho; ou ainda no soneto “A Uma Cantora”, no qual o eu lírico se vê gravemente ferido pela voz de alguém que se diz cantora.
            Os versos de Raimundo Correia são bastante plásticos e, apesar de ficarem presos às formas parnasianas, trazem algumas imagens que mesclam densidade filosófica e crítica social, como ocorre no belíssimo poema intitulado “Diálogos”, no qual a terra, o trigo, a pedra e o ferro são personificados e não perdoam o homem pelas atrocidades cometidas ao longo dos tempos.

            Poesia Completa de Raimundo Correia é um livro para ser lido não apenas pelos apaixonados pelos versos do autor, mas também por aqueles que acreditam que toda a obra do poeta parnasiano se resume a apenas meia dúzia de poemas bem elaborados. Ele é muito mais que isso. É um dos maiores poetas que o Brasil já teve. E hoje, mais de um século após seu passamento, Raimundo Correia ainda demonstra ter muito a dizer em seu universo poético.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

domingo, 26 de maio de 2013

WANDA CRISTINA

José Neres


           
Fonte da imagem: Internet
Na década de 80 do século passado, o professor e crítico literário Carlos Cunha, em seu livro Lâmpadas do Sol, escreveu que Wanda Cristina era uma escritora de raras qualidades artísticas e dona de uma imaginação que ia além do senso comum. Provavelmente, na época, muitas pessoas devem ter creditado essas observações à bondade de um crítico que, além de sempre haver lutado pela divulgação de novos talentos, tinha relações parentais com a escritora. No entanto, quem acompanhou ou acompanha a produção literária maranhense sabe que Carlos Cunha estava certo em sua apreciação.
            Cerca de uma década e meia após sua estreia em livro, quando não pairava mais nenhuma desconfiança sobre seu talento poético, Wanda Cristina volta a ser lembrada por outro grande crítico. Ela foi selecionada por Assis Brasil como uma das representantes da poesia maranhense do século XX. O romancista e crítico piauiense destaca a inventividade, o domínio da linguagem e o uso de formas poéticas diversificadas por parte da escritora, que tem cinco de seus poemas destacados na antologia.
            Em sua obra, Wanda Cristina não espera que o leitor abra o livro para entrar em contato com a poesia e com as metáforas. Logo na capa, ela já costuma fazer um trabalho de escolha lexical que leva o leitor a perceber que escolher um título não se trata de um mero artifício verbal, mas sim de um recurso poético que pode ser bem empregado por quem sabe que os jogos poéticos não se limitam à confecção dos versos e à busca desenfreada pelas rimas. Desse modo surgiram títulos como “Uma Cédula de Amor no meu Salário”, “Engraxam-se Sorrisos” e “Rede de Arame”.
            Embora seja mais conhecida por seus textos em verso, Wanda Cristina não se prendeu a apenas um gênero ou a uma forma. Ela, ao longo de sua trajetória literária, já se dedicou à prosa, ao texto teatral, à composição de letras de músicas, à pesquisa folclórica e a outros gêneros, além de dedicar-se ao magistério. Essas múltiplas atividades talvez tenham eclipsado um pouco o brilho da poetisa que, possivelmente ainda deve ter muitos textos inéditos esperando a oportunidade de virem à luz.
            As temáticas e estruturas trabalhadas pela autora de “Geofagia Ruminante no Sótão da Preamar” são variadas e vão desde situações cotidianas até incursões pela experiência concretista, com especial atenção aos aspectos sociais da realidade. Em diversos momentos de sua obra, Wanda Cristina deixa transparecer seu descontentamento com a as injustiças sociais e com os (des)rumos que o mundo vem tomando e que quase sempre não estão de acordo com o que seria desejável. Atenta aos elementos circundantes, a escritora colhe do dia a dia a matéria para seu trabalho com a palavra. Um acidente de trânsito, uma discussão banal, um cigarro, uma árvore... Tudo pode servir de tema para a poética dessa escritora que busca no cotidiano e dentro da essência das pessoas a matéria-prima que, após um burilamento com a linguagem, se transforma em Poesia.
            Em alguns de seus poemas, Wanda Cristina consegue amalgamar o tom de revolta com a consistência de um apurado trabalho de construção poética. É o caso do pequeno, mas contundente Aliteração, no qual, em apenas dez versos, a antiga concepção político-ideologia do Pão e Circo é mostrada e desnudada como força coercitiva da alienação do povo. Trata-se de um poema que ao mesmo tempo encanta o leitor pela bela construção e o faz pensar na forma como somos manipulados ao longo dos tempos.
            Adepta dos jogos de palavras, mas sem decair no mero experimentalismo fonético, e do engajamento literário, contudo sem recorrer ao panfletarismo militante, Wanda Cristina é o tipo de escritora que deve ser lida com calma, apreciando-se todas as nuances e matizes que fazem de cada um de seus textos uma pequena obra de arte.