ARMADURAS
MODERNAS
José Neres
Aproveite e veja também o desenho animado que é citado no texto
Ao folhear livros de História ou ao
assistir a filmes sobre a Idade Média e sobre as arenas romanas, é possível que
perceber que os homens que iam para as batalhas costumavam resguardar os corpos
da melhor maneira possível. Armaduras, elmos, escudos, protetores de tórax e
todos os apetrechos possíveis para proteger-se dos impactos com os adversários
eram utilizados pelos guerreiros. A intenção maior era evitar que durante os
combates os ferimentos causados pelas refregas ceifassem a vida dos lutadores.
Ao mesmo tempo, toda essa proteção, juntamente com os equipamentos de ataques,
era usada também para causar danos aos adversários.
Hoje, muitos séculos após as
Cruzadas e as batalhas pela vida e pela honra nas arenas, o homem continua na
busca de algo que possa evitar seus ferimentos, mesmo que seja a custa de
sérias lesões ou até mesmo da vida de outras pessoas. As armaduras tradicionais
foram abandonadas e agora fazem parte do acervo de museus ou servem como parte
da indumentária de filmes de época. Em seu lugar, apareceu algo bem mais
moderno que teria como principal utilidade ajudar no deslocamento de pessoas e
de cargas, mas que pode servir ao mesmo tempo como instrumento de defesa e de
ataque, podendo evitar que o guerreiro contemporâneo tenha seu corpo
estraçalhado, mas que pode inutilizar parcial ou permanentemente alguma pessoa
desavisada que tenha o azar ou a imprudência de cruzar com o proprietário dessa
armadura moderna em um momento de desatenção, imperícia ou de arrogância. Essa nova arma de combate utilizada tanto por
pessoas sérias e responsáveis quanto por boçais que não dão o maior valor à
vida alheia é chamada veículo motorizado, podendo atender por diversos nomes:
moto, carro, caminhão, ônibus...
Os noticiários mais recentes não
deixam dúvida de que a cada dia que passa o homem vem utilizando-se do carro
como uma armadura protetora e como instrumento de combate em uma guerra urbana
em que quase todos saem derrotados ou pelo menos lamentando a perda de um ente
querido.
Ao entrar em um carro, o cidadão
comum parece ser tomando pela síndrome do Sr. Weeler, personagem criado por
Walt Disney e representado pelo Pateta, que, ao ligar seu automóvel assume a
postura de um monstro do trânsito, desrespeitando faixas, sinais e todas as
regras da civilidade. Porém ao se ver novamente na condição de pedrestre,
reclama da falta de educação dos demais condutores.
Ao volante de um carro possante, o
bom garoto do bairro pode ser convertido em um demônio irresponsável que faz
zig-zag, entra pela contramão, vocifera contra quem cumpre a lei. O pai de
família, ao ligar o carro, às vezes se transforma em um lunático que acredita
ser sua pressa maior que a dos demais e põe em risco não somente a segurança de
sua família, mas também a de todos os que estão a sua volta. O homem pequenino
que mal consegue sustentar o peso do próprio corpo, quando está sentado diante
da direção de seu carro sente-se como um gigante de músculos de aço capaz de
tirar de sua frente todos aqueles que atravancam seu caminho. A delicada mulher,
de sorriso encantador de modos educados, ao soltar o freio de mão e entrar no
fluxo das avenidas, ou mesmo antes disso, sente-se senhora de todos os poderes
do mundo e crê que pode ganhar tempo e encurtar distâncias à custa do pavor
inoculado nos olho dos pedestres e dos demais condutores. Isso sem falar nas
pessoas que jamais apresentaram uma capa de civilidade e aproveitam o carro
para dar vazão a seus instintos criminosos.
Os mortais gladiadores modernos
vestem a armadura de metal revestida com a blindagem da impunidade ou pelo
menos usam o capacete da intolerância e do descaso e fazem de cada rua uma
arena, com corpos espalhados no asfalto ou na areia. Quando têm suas armaduras
amassadas, confiscadas ou destruídas, compram uma nova e continuam matando sob
o manto protetor das frágeis leis.
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