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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

WELITON CARVALHO


A Geometria do Lúdico
José Neres


            Dizem que no Maranhão todo mundo se considera, pelo menos em alguns momentos, poeta. Anualmente, inúmeras obras são escritas e diversas delas conseguem sair da gaveta e alçam à condição de livro impresso. São poucas, porém, as que conseguem atingir os status de trabalho de boa ou pelo menos razoável qualidade literária. Há casos em que apenas o autor e seus familiares conseguem ver alguma tessitura poética naquelas páginas encadernadas...
            Há casos, contudo, em que o autor realmente merece ser chamado de poeta e consegue transpor para o papel suas ideias, seus sentimentos e suas impressões sobre o mundo em forma de versos bem elaborados e com boas soluções artísticas, fazendo com que o leitor mais exigente perceba que naquela página não há apenas um amontoado de palavras, mas sim um caminho sedimentado para as emoções poéticas.
            Entre esses escritores que costumam sair da mera construção em série de poemas e conseguem atingir a esfera da poesia está Weliton Carvalho, autor de “Travessia sem Fim”, “Descobrimento do Explícito”, “Sustos do Silêncio”, “Tempo em Conserva” e “Geometria o Lúdico”, um alentado volume com mais de 600 páginas e que reúne, além dos três últimos livros acima citados, trazendo ainda outros trabalhos até então inéditos: “A Poesia Sorrindo”, “Sinfonia da Solidão” e “Escandalosa e Lírica”.
            Dono de excelente dicção poética, Weliton Carvalho é capaz de transitar com a mesma desenvoltura por temas diversos como engajamento social, erotismo, lirismo e metalinguagem, por exemplo. No entanto, essa diversidade de temas não faz com que o poeta pareça superficial em suas abordagens, pois o trabalho poético-linguístico por ele perpetrado vai além de forçar as palavras em um contexto frasal. Weliton Carvalho em seus versos procura sempre conter a verbosidade sem comprometer a construção das imagens poéticas e sem apelar para construções esdrúxulas que apenas sirvam para chamar chocar o leitor, mas sem conteúdo aproveitável.
            Por trazer um apanhado geral da produção do autor em poesia até 2008, “Geometria do Lúdico” (Sotaque Norte: 670 páginas) é o livro mais recomendado para quem deseje entrar em contato com o conjunto da obra de Weliton Carvalho. Nesse livro, o leitor poderá encontrar desde os versos de caráter mais social de alguns poemas até a explosão de sensualidade e erotismo de um livro inteiro dedicado à relação física-amorosa-carnal entre dos seres que ora se mistura, ora se separam, mas que sempre se completam.
            Mas o ponto alto do livro é “Poesia Sorrindo”, obra na qual o poeta maranhense pasticha e ao mesmo tempo presta grande homenagem a Mário Quintana. Em dezenas de versos sintéticos, Carvalho cria flashes da realidade interior e/ou exterior do ser humano, discutindo de forma bem humorada situações aparentemente comuns, mas que poderiam passar despercebidas por olhos menos atentos. Em versos curtos e carregados de ironia e de suavidade, o poeta trabalha o cotidiano. O celular, por exemplo, hoje um amigo inseparável de muitas pessoas, é redefinido como sendo “um chato de algibeira” (p. 331). Atento a tudo o que o rodeia, no poema Pequena Tragédia, o poeta chama a atenção para algo que se repete dia após dia: “O professor recitando Gonçalves Dias/ e os alunos preocupados com a provinha de literatura” (p. 347). Às vezes, o tom de provocação norteia o poema, como ocorre em Fogo Amigo: “Os homens não reparariam na celulite não fossem tuas amigas” (p. 362).
            De modo geral, se o livro “Geometria do Lúdico” pode até assustar os pseudo-leitores pelo número de páginas, porém bastará o verdadeiro amante da boa poesia correr os olhos pelas primeiras páginas ou mesmo abrir o livro em qualquer poema para se sentir acolhido pela essência dos versos de um homem que realmente pode ser chamado de poeta.

sábado, 9 de julho de 2011

ARTIGO

RONALDO COSTA FERNANDES,  POETA DE IMAGENS

Eudson Sousa Menezes

Pesquisador, graduado em História e graduando em Letras

José Neres

Coordenador do projeto O Sistema Literário Maranhense: Hipermídia e Hipertextos



A literatura maranhense vive em constante processo de renovação. Novos poetas, contistas, romancistas e dramaturgos buscam, apesar dos entraves do mercado editorial, manter a tradição do Maranhão como celeiro de grandes homens (e mulheres) de letras. Nessa vereda que procura manter essa tradição, o nome de Ronaldo Costa Fernandes merece destaque no campo da poética maranhense.

Ronaldo Costa Fernandes nasceu em São Luís do Maranhão a 29 de agosto de 1952. Graduou-se em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde concluiu também o mestrado em Literatura Hispano–Americana. Doutorou-se pela UnB com a apresentação da tese A ideologia do personagem brasileiro, que foi publicada em livro pela Editora da UnB em 2007. Residiu por nove anos em Caracas, na Venezuela, onde dirigiu o Centro de Estudos Brasileiro da Embaixada do Brasil. Foi também Coordenador da Funarte de Brasília de 1995 a 2003.

A produção literária de desse escritor transita entre romance, conto, poesia e ensaio. Seus dois primeiros romances são “João Rama” de 1979 e “Retratos falados” de 1984. Em 1998, com o romance “O Morto Solidário”,  que foi traduzido e publicado para o espanhol,  recebeu o Prêmio Casa de Las Américas.  Em 1997, lançou o romance ”Concerto para flauta e martelo”, que foi finalista do Prêmio Jabuti de 1998. E em 2005 publicou o romance “O viúvo” e, em 2010, trouxe à tona “Um homem é muito pouco”, seu mais recente romance.. No campo do ensaio, publicou, em 1996, O “Narrador do Romance”, laureado como Prêmio Austregésilo de Athayde, da UBE-RJ.  Como poeta publicou “Estrangeiro” de 1997, “Terratreme” de 1998, “Andarilho” de 2000, “EternoPassageiro”, de 2004 e “A Máquina das Mãos”, de 2009, livro com o qual recebeu o prêmio de Poesia da Academia de Letras em 2010. Como contista, publicou “Manual de Tortura”, 2007.

Mesmo sendo um estudioso de elevada cultura, o escritor não deixa de ser também um “refém” da imaginação. Em seu poema “Imaginações Violadas”, toda tensão entre o racional e o irracional é fermentada pela imaginação. É necessário então externar essa tensão por meio do “pão poético”. Dessa maneira, poeta funde, em seus versos,  ateísmo e religiosidade. Crer na não existência de deus, não é um princípio de religiosidade? Para o eu-lírico há, sim, esse princípio. A imaginação, o “padeiro”, a cada manhã fermenta no poeta essa pulsão entre negar e aceitar a imanência do divino. Então diante da manhã, a filosofia se esvai em migalhas, pois a filosofia não consegue explicar essa tensão entre o racional e o transcendente. Portanto, toda imaginação se tornar um ato transcendente. É isso que intriga o poeta: como as suas “imaginações são violadas” pelo transcendental?

O poeta maranhense Ronaldo Costa Fernandes representa, por meio de seus versos, a tensão maior da pós-modernidade: a descrença nos valores morais. A crítica poética não é apenas sobre a religiosidade, mas é também contra as ideologias totalizantes. No poema Potemkim-Kursk, o eu lírico põe em xeque a eficiência dos modelos sociais baseados na doutrinação ideológica. Não é apenas o socialismo que é posto em descrédito, mas todas as ideologias que pretendam uniformizar as relações humanas, tirando-lhes a vitalidade das mesmas.

O poeta também analisa os sentimentos do eu lírico ante o mundo pós-moderno. A pós-modernidade que tudo relativiza é o lugar de pulsão entre a moral que tudo permite e a religiosidade que põe restrições a ação. É, portanto, através da poesia que o poeta consegue da “forma ao informe”. A poesia, consequentemente, torna-se a catarse do eu lírico a esse estado de tensão entre o racional e o íntimo.

A poesia de Ronaldo Costa Fernandes demonstra claramente que é possível fazer versos que unam plasticidade textual, jogos imagéticos e extrema incursão pela logopeia, ressaltando o dito e suscitando o não-dito. É uma poesia a ser consumida sem pressa, com olhos atentos nos detalhes e nas armadilhas poéticas que espreitam o leitor a cada virar de página.

sábado, 1 de janeiro de 2011

LIVRO DE SONETOS

Como prometi, aqui está nosso livrinho de sonetos para quem quiser ler. Um feliz 2011 para todos...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

UM BOM LIVRO

QUANDO FERRO VIRA POESIA
José Neres


            Por razões mais sociais que intelectuais, literárias ou de talento, o número de homens que publicam nas letras maranhenses ainda é maior que o de mulheres que expõem ao público seus versos, romances, contos ou peças.  Mesmo assim, há uma boa quantidade de mulheres brindando os leitores com suas obras e mostrando que a competência no manejo com as palavras escritas não faz diferença de gênero, condição financeira ou grau de escolaridade.
            Nomes como Arlete Nogueira da Cruz, Lúcia Santos, Geane Fiddan, Rosemary Rêgo, Lenita Estrela de Sá, Hélia Lima, Sonia Almeida, Ceres Costa Fernandes, Dorinha Barros, Raimunda Frazão, Zelinda Lima, Mundinha Araújo e Aurora da Graça, entre tantas outras, ou têm seus espaços consolidados ou em vias de solidificação na história literária maranhense, que ainda carece de estudos mais aprofundados a respeito de seus autores, não apenas com relação à produção intelectual das mulheres, mas sim em todos os âmbitos.
            Aos nomes acima citados, podemos acrescentar o de Ana Luiza Almeida Ferro, escritora que se divide entre as argumentações técnicas dos estudos jurídicos e as sutilezas metafóricas da poesia. De sua atuação no campo da magistratura resultaram alguns livros teóricos como “Escusas absolutórias no Direito Penal”, “O crime de falso testemunho ou a falsa perícia” e “Interpretação constitucional: a teoria procedimentalista de John Hurt Ely”, entre outros trabalhos muito apreciados pelos profissionais da área do Direito.
            Mas como nem tudo pode ser definido pelo olhar técnico do estudo das leis, Ana Luiza Almeida Ferro  também se dedica à tessitura poética, tendo recebido algumas honrarias em concursos literários, além de comentários elogiosos de estudiosos voltados para as letras. Em parceria com seu genitor, o pesquisador, poeta e prosador Wilson Pires Ferro, publicou o livro “Versos e Anversos”. Depois, sozinha, e sem estardalhaço, trouxe à luz, em 2008, o livro “Quando”, uma coletânea de poemas que foram amadurecidos ao longo de anos e mais anos de trabalho com as metáforas que compõem a obra.
            O livro tem pouco mais de 80 páginas e é composto por 37 poemas, que abarcam  desde a metalinguagem até as questões sociais do dia a dia, passando por experimentalismo gráficos e espacializações de palavras (que lembram a vanguarda concretista) e por incursões metafísicas, como solidão, amores, desesperança e a dor/alegria do existir. Alguém que lesse apressadamente o livro poderia argumentar que essa variedade de temáticas e de técnicas utilizadas traz seus reflexos na qualidade, na forma e na recepção dos poemas, principalmente pela falta de unidade temática entre os textos do livro. Contudo, um olhar mais atento ao volume, a começar pelo título e pelas datas dos poemas, mostra que o que o leitor tem em mãos não é um conjunto planejado, mas sim o apanhar de diversos momentos que foram paralisados e fixados na folha do papel ou na tela do computador.
            O “Quando” que dá nome ao volume é bem mais que o título do nono dos 37 poemas do livro, é, principalmente um prolongamento temporal que não se fixa no presente, no passado ou no futuro, mas sim que tenta enlaçar o contínuo e o descontínuo temporal de diversas experiências em um todo que não encontra em si mesmo uma unidade. O quando é o agora, é o ontem, mas também é o amanhã. Mas o quando também pode ser o sempre ou o nunca, dependendo do “indelével oscilar / previsível variar / vida pendular”, como diz um dos poemas.
            A sensação da fluidez do tempo, da alegria, da dor e da própria vida é uma constante no livro de Ana Luiza Almeida Ferro. Porém, não é por dar ênfase a esse movimento pendular de idas e vindas que ele deixa de observar o cotidiano de nossa realidade social, com se dá, por exemplo, em “Inocência perdida”, “Pixote” e “É carnaval”, poemas que dissecam alguns aspectos sociais visíveis em qualquer grande centro, mas que, de tão repetitivos, tornaram-se invisíveis aos olhos da sociedade em geral.
            “Quando” é um livro para ser lido com calma, sem compromisso com as teorias literárias, mas sem fechar os olhos para as metáforas que afloram a cada página.

sábado, 23 de outubro de 2010

Meu Primeiro Livro

Este foi meu primeiro livro, publicado em 1999, depois com algumas reedições. Gosto muito dele. Hoje um exemplar desse livro é muito raro de ser encontrado.. Ele também pode ser encontrado no site do Governo Federal - domínio público.


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

GULLAR... SEMPRE GULLAR

Não consigo negar nem esconder minha admitação pela obra de Ferreira Gullar. Sou fã de toda a obra desse poeta que conseguiu sair dos limites da própria província e, com o poder de suas palavras, alcançou os mais altos postos da literatura brasileira.
Hoje o Poeta completa 80 anos e, como forma de homenagem, republico este artigo que saiu há muitos anos na Revista De Repente, do Piauí, com algumas modificações. Em breve, uma versão mais ampliada e consistente deste estudo saíra no livro Tábua de papel, a ser editado pela Café e Lápis Editora.



GULLAR: O CORDELISTA
José Neres


fonte: Internet: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBl4vaGkKYSz5ez41vnyp7wrnEWd-CtxKy0YI-ZTjIidxx_7FFsjcajk-AJsMZ_m9oedgqsI9cN31QcApCG-cjJVacva-bnILEMU5Vze03M0Di8ryQA9yi2taSqH-uByHoJfYL8da1vCI/s1600/ferreira+gullar.jpg
            Não há menor dúvida de que Ferreira Gullar é um dos maiores escritores brasileiros do século XX. Com dezenas de livros publicados, o poeta maranhense é conhecido pela crítica e pelo leitor geral por seu tom que mescla o lírico ao social e por denunciar os desmandos dos governantes, separando muito bem, na relação de status quo quais são os dominantes e quais são os dominados. Tal atitude valeu-lhe anos de exílio e inúmeros poemas, como pode muito bem ser comprovado na leitura do livro Rabo de Foguete, sua autobiografia literária publicada no final de 1998.
            Visto por Vinícius de Moraes como “o último grande poeta brasileiro”, Gullar é dono de uma alentada obra, que vai de poemas a ensaios, passando por peças teatrais, prosa experimental, roteiro para telenovelas e séries de televisão, traduções e crônicas. Mas é sem dúvida seu livro, Poema Sujo, escrito durante os anos de chumbo da censura brasileira, a sua maior realização literária.  O crítico piauiense Assis Brasil compara a obra magna de Gullar a uma espécie de nova Canção do Exílio das letras nacionais.
 Conhecido também por seu estilo independente, o poeta partiu de textos de caráter parnasiano, atingiu a aura modernista e investiu em atitudes vanguardistas, brigando com o grupo concretista e trazendo à luz o movimento Neo-Concreto. E, entre 1962 e 1967, publicou, numa grande demonstração de engajamento político (que aparece também  em obras anteriores às datas citadas com outros matizes) quatro romances de cordel, com os seguintes  títulos: João Boa-Morte – Cabra Marcado pra Morrer; Quem Matou Aparecida; Peleja de Zé da Molesta com Tio Sam e História de um Valente.
            Embora a produção cordelística de Ferreira Gullar tenha sido relegada a um segundo plano até mesmo pelos estudiosos de sua obra, ela merece ser lida e relida, pois apresenta versos de boa qualidade e com grande carga de abordagem social. No início da saga de João Boa-Morte, o poeta adverte que o caso:

Sucedeu na Paraíba
mas é uma história banal
em todo aquele nordeste
Podia ser em “Sergipe,
Pernambuco ou Maranhão
Que todo cabra da peste
Ali se chama João
Boa-Morte, vida não

            João é um trabalhador rural que, após desafiar o Coronel Benedito, o dono das terras em que trabalha, se vê ameaçado de morte e é obrigado a deixar a região. Em todos os lugares aonde chega pedindo emprego, João é tratado com desdém, pois o antigo patrão já havia declarado que ninguém poderia contratá-lo, sob pena de sofrer retaliações. Com a mulher e os seis filhos, o herói da narrativa vaga sem perspectiva de alimentar sua família. Finalmente, após a morte de um dos filhos, por inanição, decide matar a mulher e as demais crianças  e cometer suicídio. Quando vai cometer o crime, é encontrado por Chico Vaqueiro, “um lavrador como ele sem dinheiro”, que faz parte da Liga que luta contra os latifundiários. O caboclo diz a João:

O inimigo da gente
é o latifundiário
Que submete nós todos
a esse cruel calvário
(...)
É contra aquele inimigo
que nós devemos lutar.
Que culpa têm os seus filhos?
Culpa de tanto penar?
Vamos mudar o sertão
Pra vida deles mudar.

            Saindo do campo e indo para a cidade, ou melhor, para a favela, mas sem mudar o enfoque da exploração do homem pelo homem, o poeta escreve o cordel Quem Matou Aparecida, subtítulado História de uma favelada que ateou às vestes. O Poema traz a vida e morte de uma moça que:

Que não teve glória, nem fama
de que se possa falar.
Não teve nome distinto:
criança brincou na lama,
fez–se moça sem ter cama
nasceu na Praia do Pinto,
morreu no mesmo lugar.

            Aparecida sai da favela e vai trabalhar como doméstica na residência de uma família rica. Envolta em um turbilhão de acontecimentos, a adolescente é seduzida pelo patrão e é descoberta pela patroa, que a acusa de roubo. Grávida, vai parar na cadeia, onde sofre as maiores humilhações possíveis. Depois de muito sofrimento, conhece o operário Simão, que trabalhava muito, mas ganhava “tão pouco/ que mal dava pra comer”. Vão morar juntos. O rapaz envolve-se em uma greve e é preso pela Repressão. Assim como muitas vítimas da ditadura, Simão desaparecer e nunca mais volta para o “barraco esburacado” onde morava com sua companheira. Sem alimento, a criança morre, no desespero, a mãe, com apenas 15 anos, “derramou álcool na roupa/ para logo fogo acender”. Surgem então os questionamentos Quem Matou Aparecida/ “Por que há ricos e pobres?”. Vindo depois a resposta:

Quem ateou fogo ás vestes
Dessa menina infeliz
Foi esse mundo sinistro
Que ela nem fez nem quis
- Que deve ser destruído
pro povo viver feliz.

            No terceiro cordel temos Zé da Molesta, “Um Zé franzino/ nascido no Ceará/ mas cantador como ele/ no mundo inteiro não há”. Numa típica alegoria, Gullar põe Zé da Molesta como sinônimo do povo brasileiro, sofrido, mas inteligente e improvisador. Para opositor, temos o Tio Sam, um estereótipo da cultura americana, arrogante e dominador, impondo seus desejos pela força. Desafiado pelo americano, o nordestino foi parar no prédio da ONU, para provar, que mesmo pobre, muito vale e que sua pobreza ocorrer em virtude dos constantes saques que os Estados Unidos promovem no Brasil. Rendido no embate, o norte-americano apela pela força bruta de seu poderio bélico e econômico, e o brasileiro tem de fugir dali para continuar com a vida. No desespero, o poderoso Tio Sam:

Gritou: “Chega de conversa,
Que estou desmoralizado!
Desliguem a televisão,
Deixem o circuito cortado,
Mobilizem os fuzileiros,
Quero ver esse ‘cabra’ amarrado.
Vamos lhe cortar a língua
Pra ele ficar calado.

            Finalmente, temos a História de um Valente, que traz a saga de Gregório Bezerra, um “filho de pais camponeses” que sai de Pernambuco e se torna soldado. Deixa o exército e ingressa no PCB, participa da revolta de 35, vai preso, é torturado, e depois tornar-se deputado, mas perde o mandato quando o Partido Comunista é posto na ilegalidade. Já sexagenário volta para cadeia. O poeta termina os versos conclamados e alertando:

Gregório está na cadeia.
Não basta apenas louvá-lo.
O que a ditadura espera
É a hora de eliminá-lo.
Juntemos nossos esforços
Para poder libertá-lo,
Que o povo precisa dele
Pra em sua luta ajudá-lo.

            É importante notar que em todos os seus cordéis, Ferreira Gullar procura soluções marxistas para os problemas enfrentados no Brasil. Para ele só há um modo de salvar o que temos: a luta de classes, através de uma revolução. Logicamente, as idéias defendidas pelo escritor, bem como as propostas por ele dadas não agradaram ao “Governo”, que, na época, o considerou uma ameaça.
            Interessante perceber também que somente agora parece que os leitores estão entrando em contato com os cordéis de Gullar. Mesmo que os textos fizessem parte das várias edições de Toda Poesia, acabavam servindo mais como uma curiosidade que como fonte de leitura e de estudo. Recentemente os textos foram reunidos em um livro chamado Romances de Cordel, uma edição que valorizou os textos, pois os tirou do conjunto geral e ressaltou a beleza individual de cada narrativa em cordel. Hoje os poemas podem também ser lidos na belíssima edição de Poesia Completa, Teatro e Prosa, da Nova Aguilar Editora, organizada pelo professor Antônio Carlos Secchin.
            Mesmo o próprio poeta dizendo que os poemas de tom dominante político são pobres, não podemos negar que a coragem de mostrar uma outra face do País em um momento tão melindroso já é o suficiente para imortalizar um escritor. E, inteligentemente, Gullar escolheu uma forma popular para trabalhar um tema que a todos interessa: a liberdade. Ao contrário do que alguns críticos pensam, o cordel não empobreceu a obra de Ferreira Gullar, pelo contrário, fê-la tornar-se mais rica, densa e humana.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

POEMAS DE DESAMOR - Livro gratuito


Este pequenino livro foi publicado em 2003. Nunca foi comercializado, apenas distribuído aos meus amigos mais próximos. Agora, sete anos depois, ele está disponivel no mundo virtual.
Clique AQUI e baixe o livro para seu computador.
Um abraço.
Continue votando no próximo livro a ser liberado gratuitamente

segunda-feira, 22 de março de 2010

RONALDO COSTA FERNANDES

Ronaldo Costa Fernandes é quase desconhecido no Maranhão. Mas, para compensar é reconhecido como grande escritor em boa parte do Brasil e em alguns outros países. Sua obra, tanto em prosa quanto em verso, é densa e vivaz, carregada de metáforas nem sempre comuns e de fácil apreensão.

A foto do autor foi retirada do site da Academia maranhense de Letras 

 A seguir, temos um artigo sobre a poesia desse escritor de grande capacidade técnica e de grande criatividade

.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

FRAGMENTO DO POEMA SUJO

É sempre interessante ouvir um poema recitado pelo próprio autor. Por isso coloco este vídeo bem curto no qual Ferreira Gullar lê um fragmento de seu Poema Sujo. Vale a pena ver e ouvir.
Fonte do Vídeo: Youtube

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

TRÊS POEMINHAS




Na falta do que fazer, brinco com as palavras..............

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

ANTÔNIO AILTON

Apesar de ter saído no jornal com o nome de outra pessoa, o este artigo é de minha autoria...


PERAMBULANDO PELAS HABITAÇÕES

José Neres

A geração poética de 90 legou à literatura maranhense grandes nomes que agora, quase no final da primeira década do século XXI, começam a amadurecer seus frutos. Claro que nessa caminhada de quase vinte anos alguns escritores se perderam ou desistiram de continuar na luta com as palavras escritas. Outros, no entanto, apesar de alguns tropeços e percalços, continuaram suas jornadas e começaram a solidificar suas obras e tentam eternizar seus nomes no rol dos talentos maranhenses.

Entre os que não desistiram diante dos obstáculos de publicação, divulgação e promoção de seus trabalhos está o poeta e ensaísta Antônio Aílton, um escritor várias vezes laureado em concursos e que publicou “As Habitações do Minotauro” (2000) e “Humanologia do Eterno Empenho: conflito e movimento trágicos em A Travessia do Ródano de Nauro Machado” e que, após conquistar o prêmio Eugênio Coimbra Júnior, promovido pela Fundação de Cultura da Cidade de Recife, publica também “Os Dias Perambulados e outros Tortos Girassóis” (2008).

O fato de dividir-se entre a criação poética e a crítica ensaística, que poderia trazer problemas para uma pessoa com poucos recursos intelectuais e argumentativos, transformou-se, para Antônio Ailton, numa espécie de arma contra as mesmices literárias. Suas constantes leituras transparecem nas páginas de seus textos e imprimem em cada verso uma dicção própria de quem tem total consciência de seu fazer poético e das conseqüências das palavras impressas no papel. Seus versos não perseguem o lirismo fácil e banal, pelo contrário, estão sempre em busca do inusitado e do aparentemente indizível. Seus poemas não claudicam diante dos obstáculos e seguem em marcha, ora mais lenta, ora mais acelerada, rumo a soluções poéticas que vão além das rimas e da metrificação.

Tendo como amarras o ritmo cadenciado imposto por cada situação e a temática a ser desenvolvida, o eu lírico de Antônio Ailton age como um flâneur vagando em busca de algo desconhecido até para ele mesmo. Nos seus livros, o poeta não pretende encontrar soluções mágicas para os inúmeros problemas do mundo, nem mesmo busca entender ou explicar o que se passa no entorno de suas angústias e observações. Contudo, é exatamente desse constante observar da realidade que o poeta, como um voyeur consciente de que pode perder a visão a qualquer instante, retira a matéria bruta que será lapidada em forma de poema.

Tanto em “As Habitações do Minotauro” quanto em “Os Dias Perambulados e Outros Tortos Girassóis”, tudo parece estranho para o leitor, no entanto, cada verso traz também a sensação do dèja vu, não pelas questões intertextuais que permeiam os versos, mas sim pela certeza de que cada poema, cada estrofe e cada verso falam das dúvidas, da realidade e dos anseios do homem em geral. Os textos rápidos não dão tempo para o leitor respirar e o sufocam cada tentativa de tomar fôlego.

Em suma, os poemas de Antônio Ailton não são feitos para serem lidos por quem busque apenas lirismo e formas bem comportadas, mas sim por quem tenha coragem de perambular por um labirinto de sensações e de palavras e de onde, às vezes, a única saída é enfrentar algumas verdades para as quais fechamos os olhos no nosso dia a dia.