domingo, 30 de setembro de 2012

CAIS DA SAGRAÇÃO NO TEATRO


CAIS DA SAGRAÇÃO NO TEATRO
José Neres


                Na última quinta-feira do mês de setembro, centenas de pessoas tiveram o privilégio de assistir à peça Cais da Sagração, no Teatro Artur Azevedo. Adaptação do livro homônimo de Josué Montello, o espetáculo serviu para dar ao público uma noção geral do que a obra desse grande romancista maranhense.
                Algumas pessoas esperam ver no palco uma reprodução exata do que se passa nas páginas do livro. O que é impossível, pois são duas linguagens diferentes, que utilizam técnicas e estruturas também diferentes. O romance tem cenas que não foram exploradas pela peça, ao mesmo tempo em que algumas passagens da trama teatral ganharam mais projeção no palco que nas páginas do livro.
                Em aproximadamente uma hora e meia, os atores e atrizes reviveram a saga do polêmico mestre Severino, um homem simples, que carrega dentro de si toda uma gama de ideias e preconceitos que hoje podem soar estranhos, mas que representam muito bem a mentalidade do homem rústico do mar, principalmente se levarmos em consideração a época em que se passa a história.
                Na peça, adaptada por Michelle Cabral, o fluxo do tempo, que é uma das marcas do romance, foi explorando com competência, a partir do jogo cênico presente-passado. Um belo exemplo disso foi a transformação de Lourença, que, ao subir na escadaria do porto para esperar a volta de Severino, com um simples jogo e luzes e com a mudança de vestes, remoça e volta no tempo. A partir desse ponto, o que parecia ainda sem sentido começa a descortina-se com clareza aos olhos do público.
                É, aliás, a personagem Lourença (vivida por Diana Mattos) a responsável pelos melhores momentos da peça. Às vezes sem fala, mas com expressivos jogos de olhares e com marcante expressão facial, ela encantou a plateia com a docilidade de uma mulher que, de uma hora para outra, vê sua vida transformada pela noticia de que seu companheiro irá casar-se com uma meretriz da cidade. É Lourença o fio condutor da história. É ela quem acompanha todo o desenrolar do enredo e que vive os melhore e piores momentos da vida das demais personagens.
                Os demais autores se esforçaram para manter o ritmo e mesmo, vez ou outra, cometendo alguns deslizes, não comprometeram o trabalho e souberam dar vida às personagens, fazendo com que o público não se perdesse na trama. Cada um deles deu o máximo de si para viver personagens complexas e que deixavam as páginas do livro para finarem pés no palco.
                O cenário é um caso à parte. Ele demonstra que, mesmo com poucos recursos financeiros, a criatividade pode sobrepujar as dificuldades e trazer ao palco soluções inventivas e a relativo baixo custo, sem perda dos efeitos cênicos e sem prejuízos para o enredo. O cenário, com seus móveis brancos e seus tapumes, ao ser bem utilizado, transformou-se, sendo reutilizado em diversas cenas com objetivos diferentes, o que acabou dando volume ao espetáculo. Quase ao final do espetáculo, antológica cena da embarcação na tempestade, além de demonstrar o bom gosto de cenografia, serviu para elucidar, para quem não conhecia o texto do romance, os acontecimentos norteadores da trama.
                A peça, de modo geral o Cais da Sagração do teatro satisfaz. É um excelente espetáculo que possivelmente terá algumas rebarbas corrigidas em apresentações futuras. Toda a companhia está de parabéns. Se Josué Montello ainda estivesse entre nós, certamente ela seria o primeiro a levantar-se para aplaudir essa bela adaptação de sua obra.
A casa estava quase lotada, para felicidade de todos os amantes do teatro. O público, como sempre, continua com o péssimo hábito de deixar os aparelhos celulares ligados a alto volume, tirando, em alguns momentos a concentração dos atores, mas isso é algo que um pouco mais de atenção e uma pequena dose de boa educação pode resolver.

FICHA TÉCNICA: direção e cenário de Michelle Cabral (atriz e arte-educadora), elenco Cíntia Pessoa, Diana Mattos, Gilberto Martins, Jurandir Eduardo e Ricardo Torres. Figurinos e adereços de Jurandir Eduardo e iluminação de Nina Araújo.

 

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