quinta-feira, 9 de abril de 2009

MESTRE ANTÔNIO VIEIRA


VIEIRA: UMA VOZ, UM SILÊNCIO
José Neres



Fim de tarde. O Centro Histórico de São Luís começa a mudar de feição. Aos poucos, saem de cena os apressados homens de negócio e começam a desfilar pelas estreitas calçadas pessoas que aproveitam os últimos raios de sol para por a conversa em dia, sem preocupação com o correr dos ponteiros do relógio ou com as incertezas do amanhã. Nessa pequena multidão de amantes do por-de-sol do Centro Histórico há homens comuns, mulheres comuns, estudantes, poetas, desocupados e tantas outras pessoas. Mas um frequentador daquele ambiente de pura nostalgia poética chamava a atenção: um homem magro, negro, firme e singelo como sua própria história de vida carregava rumo à Banca do Dácio seu sorriso, seus “causos”, sua música e sua poesia. Seu nome era – e será para sempre – Antônio Vieira...

Mas não era apenas mais um Antônio ou mais um Vieira cercado de gente em uma praça que respira lembranças “dores e saudades”, era, sim, o Mestre Antônio Vieira, um homem que soube transformar palavras simples em versos carregados de poesia e de musicalidade. Talvez nem todos os transeuntes e freqüentadores habituais da Praia Grande tenham aproveitado a presença daquele homem que guardava em sua memória quase nove décadas de experiência, de alegrias e de atribulações, mas que geralmente guardava para si os momentos difíceis, para dividir com os amigos, companheiros ou meramente conhecidos a lucidez de seu sorriso tímido e generoso.

Como todo bom artista popular, Antônio Vieira tirava do cotidiano, de sua própria vivência de mundo e de situações aparentemente banais o motivo para suas composições. Como uma espécie de Midas pouco interessado em ouro, mas ávido de acordes e de musicalidade, o compositor maranhense transformava em versos, sons e ritmo aquilo que para pessoas comuns podia ser apenas mais um acontecimento. Desse modo, uma garota de cabelos crespos que manda alisá-los para depois pô-los no rolo se transformou no antológico “Na cabecinha da Dora”, uma receita caseira para melhorar o ânimo e ao mesmo tempo perfumar o corpo aparece na forma de “Banho Cheiroso” e os conselhos para um amigo que andava triste sem saber o que fazer da vida se metamorfosearam no conhecidíssimo “Tem quem queira”, a mais conhecida das músicas do saudoso Mestre.

Ao longo de aproximadamente setenta anos de vida artística, Vieira compôs mais de trezentas músicas, escreveu um livro de contos, cantou em parceria com diversos grandes nomes da MPB e da MPM, foi homenageado e reverenciado por inúmeras personalidades, mas, em sua simplicidade de homem do povo, não tentava esconder os percalços por que passou até ter seu nome projetado nos palcos do Brasil.

Pode-se ler, ouvir ou cantar a obra de Antônio Vieira por simples diversão ou para assimilar um pouco da espirituosidade de um homem que não teve vergonha de dizer que cometeu muitos erros, como pode ser visto em “A Pedra Rolou”, na qual, em tom confessional, ele declara: “eu também rolei no tempo / e ele muito me ensinou / o mundo rola no espaço / e também muito melhorou / e eu fui rolando com ele / e ele me desarestou”. Em outra música, como máximo de sua simplicidade vestida com a túnica da picardia, desejava transformar-se em uma cocada para adoçar a boca de “mulatas e loiras / morenas e negras”.

Hoje aquela cadeirinha da Banca do Dácio está vazia. O velho poeta já não conta seus infinitos “causos”. Quem pôde aproveitar alguns momentos da companhia do Mestre há de guardar na lembrança para sempre aquele sorriso meigo e aquela imagem de quem tanto demonstrou amor pela música e por sua terra natal. A pedra rolou, o tempo passou, Mestre Antônio Vieira Morreu, mas sua música ficou. Ficou nos Cds, na TV, em nossos ouvidos e até no silêncio da despedida.

3 comentários:

  1. Li esse texto com uma profunda saudade do Reviver, preciso por os pés ali o mais rápido possível. Parabéns grande Neres, um belíssimo retrato de um incrível compositor.

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  2. Olá Professor José Neres,

    fiquei extremamente triste que o Mestre Antônio Vieira tenha nos deixado, mas tenho a certeza, ao ler textos como o seu, de que o Mestre cumpriu sua missão da maneira mais louvável que há: através de uma produção inestimável feitas pelas mãos de um artista terno, humilde e amável.
    Conheci Seu Vieira e guardei um afeto muito grande pelo exemplo de ser humano, artista dos mais puros, que ele foi.
    Sou estudante de jornalismo e já pesquisei sobre o trabalho "Pregões de São Luís". Agora estou atrás das composições do mestre, pois estou pesquisando sua produção. Caso você tenha algum material que possa me ajudar, agradeceria muito.

    Abraços, e parabéns pelo blog.

    Talita Guimarães
    http://www.ensaiosemfoco.blogspot.com
    tat_guimaraes@hotmail.com

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  3. Neres, "Viera sentado num banquinho Banca do Dácio" exatamente esta é lembrança do Vieira que guardo. Textos como este que chamo de reconhecimento de uma vida!

    Abraços!

    Gladson Fabiano
    http://gladdking.blogspot.com/

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