quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010


NAURO MACHADO, O ENSAÍSTA

José Neres


Quando se fala em Nauro Machado, vem logo à mente de muitas pessoas a figura do poeta de versos inusitados que condensa em cada poema um universo de imagens e que transfigura seu mundo interior (e também o circundante) em metáforas alheias ao óbvio da versificação vazia de conteúdos. Algumas pessoas chegam mesmo a afirmar que o poeta de “Campo se Base” é um escritor hermético e inacessível em suas produções literárias. Os admiradores veem em Nauro Machado o toque do gênio que foge às convenções formais e que sempre procurou imprimir suas digitais em cada página escrita. Mas poucos se lembram que além de grande poeta, Nauro Machado é também um ensaísta de excelente estirpe.


Dono de um conhecimento de poesia que vai além do provincianismo, o escritor vez ou outra publica em jornais suas impressões acerca das obras lidas e, em trabalhos de extensões variadas, demonstra um grande grau de erudição associada a um aguçado olhar crítico. Assim como em sua poética, também em sua produção voltada para o estudo de outros autores, Nauro Machado não deixa que o superficialismo tome conta de suas palavras. Isso exige do leitor uma atenção maior ao se deparar com alusões a obras e autores nem sempre conhecidos da boa parte do público.


Recentemente relançado, o livro “As Esferas Lineares” traz uma excelente amostragem do senso crítico do grande escritor maranhense. Analisando com total coerência e com grande acuidade intelectual a obra de quatro dos principais expoentes da poesia e da prosa maranhense do século XX, Nauro Machado não fica no simples achismo nem no superficialismo de quem tateia um terreno desconhecido. Muito pelo contrário. Ele se mostra extremamente seguro ao comentar os principais traços estéticos e estilísticos de Bandeira Tribuzi, José do Nascimento Moraes, José Chagas e Erasmo Dias.


No primeiro ensaio, intitulado “Tribuzi, Bandeira Lírica do Amor Social”, Machado faz um passeio pela poética do autor de “Breve Memorial de um Longo Tempo”, analisando alguns de seus temas recorrentes e mostrando como o grande poeta tecia suas metáforas em busca das imagens poéticas que saltavam de cada um de seus poemas.


Logo depois, há um ensaio um pouco mais longo sobre “A Escrita Polêmica de José do Nascimento Moraes”, no qual analisa o estilo combativo do autor de “Vencidos e Degenerados”. Além de fazer um corte esquemático na produção de Nascimento Moraes, Nauro aproveita para situá-lo ao lado de outros grandes prosadores e poetas que também deixaram suas marcas nas letras nacionais.


Ao investir na análise da produção artística de José Chagas, Machado constrói um dos mais completos e elucidativos textos sobre o autor de “Os Canhões do Silêncio”. Nesse ensaio, os admiradores do poeta paraibano, que traz o Maranhão na alma e nos versos, poderão ter uma visão panorâmica, porém bastante ampla do uni(verso) recriado nas palavras de Chagas.


No último ensaio do livro, Nauro Machado dá um mergulho no passado da Cidade e resgata a figura de Erasmo Dias. Mesclando episódios marcantes da vida do escritor, que se fundem com a própria história da cidade, o texto é capaz de despertar um misto de sentimentos por parte de quem vivenciou ou não a complexa relação entre Erasmo Dias e sua época, que não está tão distante assim.


Em suma, “As esferas Lineares” de Nauro Machado giram em torno não apenas de autores e de obras, mas sim resgatam e eternizam a poeticidade de quatro homens que traduzem ou traduziram em palavras os gritos silenciosos que ecoarão durante muito tempo pelas estreitas ruas de uma cidade que sangra versos, que chora esquecimentos, mas que jamais deixa de jorrar por meio de suas pedras de cantaria o mágico encanto das palavras.

4 comentários:

  1. As esferas Lineares é uma obra única na acanhada critica literária maranhense. Cada nova leitura eu descubro novas informações, como se esse Senhor profeta-profano possuisse um talento de multiplicar sentidos e apresentar em cada visita a essa elegante obra, uma fonte inesgotável sobre os nossos cânones literários.
    Flaviano

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  2. É verdade, Flaviano, esse livro tem um valor único para nossas letras e merece ser mais lido. Um abraço!

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  3. José Neres. Também sou ou um pesquisador da nossa riquíssima poesia. Estou trabalhando no Doutorado a obra de Nauro Machado. Gostria de compartilhar algo que já escrevi com alguma coisa sobre o Nauro que você tenha escrito.

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  4. Caro Valderi, será um prazer fazer esse intercâmbio sobre a obre desse poeta sem limites.Pode mandar um e-mail que falaremos: joseneres@globo.com

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