FOGO OU PARANÓIA 2
Ceres
Costa Fernandes
O Estado do Maranhão, 15 de abril de 2012
Não sei bem quando a paranoia de morrer
queimada em um grande incêndio começou. Mas, com certeza, foi há bastante
tempo. A paúra já estava em ação, quando minha filha mais velha, esportista
tricampeã do Colégio Dom Bosco,
esforçada e valente, acumulava luxações e dores lombares e decidimos apelar a
um famoso quiroprático visitante, venerável senhor, que atendia em casa de família
amiga. Isso, seja dito, após tentarmos
os protocolos normais da medicina.
Durante a sessão de desentorta, sem mais o
quê, repentinamente, o profissional dirige um olhar ao fundo dos meus olhos e
declara, sentenciosamente: A senhora tem mais de quatro mil anos! Indignei-me, mulher nenhuma aceita uma
sentença tão desfavorável sobre sua idade, ainda mais que, na época, eu ainda
era jovem. Ele, sentindo o meu desconforto, explicou. Isso se deve ao fato de
que a senhora já reencarnou muitas vezes. Campainhas soaram nos meus ouvidos,
vai ver que meu medo de fogo vem de vidas passadas! Apresso-me em perguntar: em
alguma vida passada morri queimada?
Preparo-me para a resposta. Quem sabe eu teria sido Joana d’Arc ou uma das
bruxas de Salém Ou, talvez, matrona romana, tenha torrado no incêndio de Roma
imputado a Nero, ou mesmo no grande incêndio de Londres, o do século 17 – nem pensar em aceitar reencarnar em papéis insignificantes
na história da humanidade. Ele me diz, Não sei, não tenho acesso a esse tipo de
informação. Murchei. Fiquei sem saber, mas desconfio que andei metida, sim, em
algum incêndio em uma das minhas reencarnações.
Se não, como explicar que, em todos os
ambientes que adentro pela primeira vez, vou logo observando os aparatos contra
incêndios: se há chuveirinhos no teto, extintores à mão, janelas prontas para
um pulo, onde se situam as portas corta-fogo, as saídas de emergência, etc. E.
ai, meu Deus, me preocupam ainda os tapetes e o excesso de cortinas; se o piso
é de lajota ou de madeira...
Os
hotéis, esses aí, especialmente os europeus, os antigos, tão pequenos e
graciosos, com escadas forradas de tapetes, paredes de tecido e piso encarpetado,
me deliciam e me assustam. Estive em mais de um em que os corredores pareciam
túneis de tecido. Nesses – além das providências já mencionadas –, não fico
acima do quinto andar e, isso, só após conferir a quantidade de lençóis do
quarto e me certificar se o comprimento deles – feita uma “teresa” –, dá para
escapar pela janela dos fundos;
Que
me desculpem os felizes desavisados não atingidos por essa fobia, mas os meus
companheiros de infortúnio me entendem e darão razão.
Em vista do que foi dito, vou
confessar-lhes o que muitas vezes me ocupa a mente em suas horas vadias (as
tais da insônia nas madrugadas ou as da prisão em engarrafamentos): o
crescimento vertical de São Luís. Faz pouco tempo, tínhamos apenas três edifícios
na cidade antiga: o João Goulart, o Caiçara e o Edifício BEM. Agora, na cidade
nova, o que se vê são muralhas de prédios. Com a liberação do gabarito – o céu
é o limite – temos prédios de quinze
andares, sem contar os andares com salão de festas, garagens, academias e outros
mimos. Espero que todos esses estejam equipados com tudo o que há de mais
moderno em prevenção de incêndios, quem sabe até heliportos.
Tentando fugir dos assaltos, nutro pretensões
de me mudar de casa para um apartamento, a contragosto de toda a família, seja
dito. Seguindo a minha paranoia e para
não sair da frigideira e cair no fogo – sem trocadilhos –, decidi me informar
sobre as condições do nosso valente Corpo de Bombeiros. Não quero assustar
ninguém, mas creio que a briosa guarnição não está suficientemente equipada
para o atendimento desse crescimento vertiginoso de edifícios. Segundo colhi, as
nossas escadas Magirus (duas) alcançam somente 30 e 36 metros, a altura de um
edifício de mais ou menos sete andares, menos os andares extras de festas,
garagens, jogos. Parece haver seis carros em ação. Em um incêndio que devastou uma loja
de 1,99, na COHAB, soube que a mangueira não funcionou.
E os hidrantes? Dizem que há 80. Alguém sabe
onde se encontram? Aqui, no Olho d’Água, nunca vi nenhum. Soube que há alguns
no aeroporto do Tirirical. No Centro Histórico, conheço vários, não sei se
ainda funcionam. Outro problema é que lá acontecem muitos dias sem água,
digamos assim.
Feitas as contas, acho que um apartamento
até o quinto andar, com hidrante perto, janelas com sacadas grandes, rua larga
de trânsito fácil (!) para o acesso dos carros de bombeiros, vai bem. Mesmo com esses requisitos, pretendo levar para lá escadas
de corda, ganchos de ferro e outros equipamentos que tais. Talvez até um
parapente...Aceito sugestões.
ceresfernandes@superig.com.br
Ceres achei interessante o que escreveu sobre a sua fobia e ao mesmo tempo a crítica sobre uma cidade que em número de edificios cresce acelerademente e quase tudo sem uma estrutura sólida. Que as autoridades competentes mesmo que não tenham "fobias" possam ter respeito por uma população que nem se dá conta da observações que você fez. Parabéns! Margarida Cardoso
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