sábado, 30 de janeiro de 2010

PROSA DE RICARDO LEÃO

OS DENTES ALVOS DE RADAMÉS

José Neres


“Faz algum tempo que concluí meu delito. Não se trata, contudo, de mais um crime, realizado às pressas, como tantos outros. A minha obra é, com efeito, um consumado objeto de arte. Eu a executei com toda a perícia, argúcia e artimanhas necessárias, todos os cuidados e aparatos possíveis, as luzernas acesas, enquanto combatia o alvo silêncio dos urinóis.(...) Muitos de meus inimigos estão à espreita, à espera de um deslize, qualquer, por mais insignificante que pareça, a fim de capturar-me e conduzir-me aos verdugos do castelo”

É com esse intrigante e convidativo solilóquio que Ricardo Leão inicia seu livro Os Dentes Alvos de Radamés, uma das obras vencedoras do concurso literário promovido pelo Governo do Estado do Maranhão.

A princípio, em um mero folhear de páginas e em leituras rápidas de trechos aleatórios, alguém pode pensar que se trata de um romance, de uma novela ou de uma coletânea de contos que giram em torno de temáticas que vão de crises existenciais a busca de soluções para corriqueiros problemas mundanos, passando por uma infinidade de outros assuntos, sempre centrados na angústia e/ou nas psicoses humanas.

Contudo, em uma leitura mais atenta, fica bem claro que o livro não pode ser facilmente encaixado nos gêneros literários mais tradicionais. Nos vinte e quatro capítulos que compõem o livro, quase todos compostos de um único parágrafo, o narrador conduz o leitor pelas furtivas veredas de um mistério que se potencializa ou se esvai de acordo com os interesses que se ocultam a cada linha.

Fisgado pelas primeiras palavras do texto, o leitor começa a devorar as páginas do livro em busca de explicações sobre qual foi o crime cometido, sobre quem são os inimigos que se escondem nas sombras das palavras. Experiente no uso da linguagem literária, Ricardo Leão investe no jogo de mostrar escondendo e de esconder mostrando. Dessa forma, traça um percurso narrativo cheio de peripécias, mas com um objetivo centrado na dubiedade comportamental das personagens.

De forma proposital, o autor parte da fluidez das incertezas e vai sedimentando com dúvidas e armadilhas o trajeto a ser percorrido rumo às respostas. O ponto de chegada é certamente uma incógnita planejada. No caminho, em meio a estratégicas digressões e profundos mergulhos nos sempre perigosos mares de erotismo e sensualidade, está a construção de um texto arquitetado na certeza das incertezas de um experimentalismo amadurecido pelos anos de contato com as páginas de grandes escritores como Poe, Borges, Eco, Hoffmann, Kafka, Cortázar e outros.

Porém se engana quem pensar que as atitudes experimentalistas do livro são meros pastiches de autores lidos. Muito pelo contrário, Ricardo Leão imprime suas digitais em cada página de sua narrativa e constrói as personagens com a segurança necessária para despertar no leitor os mais diversos sentimentos com relação às situações expostas a cada página de uma abra que exige atenção e cuidado por parte do leitor.

Os Dentes Alvos de Radamés é um livro para ser lido com calma, sem preocupação com o chegar ao final simplesmente para pô-lo na contabilidade dos livros lidos. Ele deve ser degustado página a página, sem preconceito com relação à linguagem às vezes chocante para leitores mais puritanos, e sem a preocupação acadêmica de encaixá-lo em um estilo ou em um gênero específico. É um livro para ser lido com os olhos e mente totalmente abertos.



segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

LANÇAMENTO DE LIVRO







lançamento do livro:




VILA DE TAMANDARÁ
de Dorinha Marinho

Com um super Sarau Literário

e participação de artistas da terra e do Rio de Janeiro

Dia: 29/01/2010

Horário: a partir das 18h

Local: Livraria Sebo nas Canelas- Centro
próximo ao Sindicato dos bancários






Estivemos no lançamento do livro dessa lutadora chamada Dorinha Marinho. Muitas pessoas conhecidas. Acima, temos algumas fotos do lançamento. Respectivamente, temos a autora com a professora Kátia Cilene, comigo e com o imortal José Ewerton Neto.



quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

LENITA ESTRELA DE SÁ

LENITA: CONTOS DE UMA ESTRELA

José Neres


Depois de encantar o público com poemas, peças teatrais e obras voltadas para o público infanto-juvenil, sempre demonstrando competência e compromisso com as letras, a escritora Lenita Estrela de Sá, com a publicação do livro “Cinderela de Berlim e outras Histórias”, investe também no campo da narrativa curta.

O livro, que é composto de sete contos, foi um das obras premiadas no Plano Editorial Gonçalves Dias. Logo na leitura do primeiro texto, que dá nome ao volume como um todo, pode-se perceber que a autora não está interessada em fazer de sua narrativa um foco de ilusões banais e frívolas. Não! O que ela pretende – e consegue ao longo das páginas – é, a partir de situações aparentemente corriqueiras, mostrar um pouco da dura realidade enfrentada cotidianamente por pessoas que lutam a cada nascer de sol pela sobrevivência.

As personagens dos contos de Lenita Estrela de Sá são geralmente pessoas que vivem a angústia da própria existência. De modo lírico e cru ao mesmo tempo, a escritora faz desfilar pelas páginas de seu livro um conjunto de elementos que podem facilmente ser encontrados nas ruas de qualquer cidade do mundo dito como civilizado.

O fato de as narrativas serem ambientadas em São Luís não interfere no tom universalizante dos textos, pois basta riscar o nome da cidade e ignorar as referências históricas e geográficas que os conflitos retratados se encaixam em variados outros ambientes e sociedades. Isso acontece porque a carga psicológica e a densidade narrativa retratadas em cada conto superam em muito as meras questões regionalistas.

Adultério, sofrimento, preconceito racial, pobreza e crise existencial são alguns dos temas abordados por Lenita Estrela em seu livro. Mesmo o título remetendo à hipótese de um conto de fadas, as histórias não buscam uma solução simplista ou mágica para os problemas apresentados. Na verdade o que há em cada texto é uma janela aberta para que o leitor possa olhar dentro da casa, da vida e da intimidade de cada uma das personagens. Todas elas escondem, por trás de fachadas envernizadas por sorrisos ambíguos, uma essência de dor e de sofrimento.

O que fica visível na leitura dos contos é que as personagens do livro são sempre angustiadas e, mesmo quando conseguem uma projeção econômica, vivem presas a fantasmas do presente e do passado. É o caso do Moreira, dono de uma bela casa, carro de luxo e é bem empregado, mas que vive atormentado pela insana competição com um colega de serviço e pela perda traumática de seu filho, afogado na piscina que serviria como símbolo de ostentação para a família burguesa.

No geral, os contos de “Cinderela de Berlim e outras Histórias” são bem elaborados e trazem um desfecho brusco, cortante. Eles se assemelham a uma lâmina afiada, prestes a decepar os braços da inércia e do comodismo, com o intento de, nesse choque entre ficção e realidade, despertar o senso crítico de um leitor que queira ir além da percepção das obviedades impostas por uma leitura superficial da própria realidade.

Com esse livro, Lenita comprova, mais uma vez, que é uma das brilhantes estrelas dessa bela constelação de escritores contemporâneos.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Ceres,Laura e Sonia

TRÊS MULHERES IMORTAIS

José Neres

Alguém ligado a curiosidades numéricas ficaria intrigado ao saber que, atualmente, a participação feminina na Academia Maranhense de Letras é de apenas 7,5% (sete e meio por cento). Essa mesma pessoa ficaria ainda mais impressionada ao saber que entre os aproximadamente 150 intelectuais que já ocuparam uma das cadeiras da AML, apenas oito são representantes do sexo feminino, o que reduz o percentual anterior para pouco mais de meio por cento.

Laura Rosa, Mariana Luz, Dagmar Desterro, Conceição Aboud Neves e Lucy Teixeira foram as escritoras que honraram o quadro acadêmico da Casa de Antônio Lobo com o brilho da inteligência e com a confecção de belos textos. Atualmente, entre os imortais há a presença de três mulheres que nada ficam a dever em termos de talento e ação aos demais trinta e sete imortais da casa. São elas, por ordem alfabética: Ceres Costa Fernandes, Laura Amélia Damous e Sonia Almeida.

Com uma vida de dedicação à vida universitária, a professora e ensaísta Ceres Costa Fernandes decidiu entrar também para o mundo das crônicas. Dona de um texto ágil e eivado de recordações e de ironias, a escritora faz em verdade uma mescla muito bem trabalhada de contos e crônicas, que levam o leitor a se divertir com lances aparentemente ficcionais, mas que podem despertar também sérias reflexões acerca das temáticas discutidas nos textos. Além das qualidades de cronista é preciso destacar também que Ceres Fernandes é uma pesquisadora de grande erudição, trabalhando com competência assuntos como a literatura na Idade Média e o Surrealismo associando a outras vertentes de estudo. Tudo isso contar que ela é reconhecidamente uma das grandes estudiosas da obra de José Saramago.

Laura Amélia Damous é uma poetisa que se preocupa em fazer de cada verso um uni-verso de palavras que não se contentam com o significado uno, mas sim que buscam a multiplicação dos sentidos nas malhas das diversas releituras possíveis feitas a partir de uma primeira impressão. Seus textos são geralmente sintéticos e tocam suavemente tanto em uma atmosfera de sensualidade, quanto em uma incessante busca pelo sentido do próprio ser diante das infinitas (im)possibilidades de um não-ser. Seus textos podem ser lidos como palimpsestos, nos quais cada camada pode esconder algo que não foi perceptível em uma leitura anterior.

A outra poetisa e ensaísta da AML é Sonia Almeida, uma escritora que acredita no incessante diálogo entre as palavras e a própria condição de existência do ser humano. Os poemas de Sonia Almeida geralmente trazem o cotidiano de forma poética, sem esquecer de que dentro da poesia também há espaço para questionamentos e mergulhos na essência humana. Seus textos, muitas vezes, trazem a consciência de um intertexto, de uma conversa constante com seus autores preferidos, sejam eles poetas ou pensadores das mais diversas linhas do pensamento. Ler os trabalhos de Sônia Almeida, em prosa ou em verso, é sempre um convite para mergulhar dentro de si mesmo ou nas páginas dos incontáveis autores que habitam cada pagina dos livros dessa escritora maranhense.

Como pode ser visto, essas mulheres imortais, não só por pertencerem a uma Academia, mas também por construírem obras de imenso valor demonstram que a Casa de Antônio Lobo está muito bem representada no cenário cultural da contemporaneidade.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

UM ANO DE BLOG


Há exatamente um ano, logo depois do almoço, resolvi criar um blog para mim. Hoje ele completa seu primeiro ano com mais de três mil acessos (o contador de visitas só foi colocado em maio), mais de cinco dúzias de postagens e como referência quando se trata em pesquisa sobre a cultura maranhense em geral. Neste 2010, ele continuará ainda mais forte, com novas informações e novos artigos.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Recomendo a leitura


SOBRE BREGANEJO BLUES
José Neres


Uma das coisas boas de nossa literatura atual é a grande quantidade de livros que são publicados mensalmente. O lado ruim disso tudo é a falta de tempo para acompanhar o que está sendo produzido por nossos escritores contemporâneos. Para tentar sanar um pouco desse problema, temos que recorrer às sugestões de quem realmente entende do assunto.

Duas pessoas bastante ligadas às letras me recomendaram, quase ao mesmo tempo, a leitura de Breganejo Blues, do jovem escritor maranhense Bruno Azevedo. Como a recomendação veio nada mais nada menos que de José Ewerton Neto e de Hagamenom de Jesus, não pensei duas vezes antes de entrar na Livraria Atenas e comprar o livro.

Li o livro de uma sentada, pois ele nos deixa fazer isso sem a sensação de estar perdendo tempo. A hi´stória em si não tem novidade. É até um tanto quanto previsível. Mas o inusitado das situações e a forma como foi narrada merecem destaque.

Para começar, é bom lembrar que o autor não está nem mesmo um pouco preocupado com a onda do politicamente correto. Isso dá um sabor especial à obra, ao fazer com que o vocabulário usado (que será contestado por muitos leitores) tenha uma razão de ser e vá muito além de um modismo pós-moderno. E esse desapego às questões politicamente corretas, associado a algumas excelentes tiradas, deixam o leitor preso ao enredo, mesmo com as muitas digressões - estratégicas - que aparecem ao longo do livro.

As tomadas cinematográficas deixam o texto bastante ágil, embora possam desnortear um leitor menos acostumado a esse tipo de narrativa. Por outro lado, a fusão da literatura com outros elementos da cultura pop, juntando diversos ritmos em uma balada que tem uma sonoridade própria, foi uma boa idéia, uma vez que saiu do tradicionalismo tão constante em nossas narrativas.

Outro detalhe que chama a atenção no livro é a aparente salada que serve de liga para a argamassa textual: uma dupla sertaneja, um detetive/taxista especializado em encontrar cornos, um transexual, Tex Willer, Kabão, Choperia Marcelo e mais uma porção de elementos que aos poucos vão se encaixando em uma sequência divertida e irônica ao mesmo tempo.

A ironia, por sinal, é a marca principal da obra. Essa ironia começa desde a contra-folha-de-rosto, quando o copyright se vê substituído pelo copyleft, até a última página, com o alerta para a curiosidade de alguns leitores para a composição gráfica do livro.

Em suma, Breganejo Blues é um bom livro. Merece ser lido sem compromisso e sem uma preocupação com questões teóricas.

domingo, 20 de dezembro de 2009

LENDO ROMANCES


DOIS ROMANCES INFERNAIS


José Neres


O inferno, ou seus hipotéticos habitantes, é um dos temas recorrentes na literatura desde seus primórdios. Alguns escritores de excelente estirpe já se utilizaram passagens ambientadas no reino das trevas para a composição de suas obras. Nomes como Virgílio, Dante Alighieri, Gil Vicente, Guimarães Rosa e Jean Paul Sartre cravaram nas letras diversas concepções de como seria esse mundo desconhecido. Porém, mesmo sendo algo que povoa o inconsciente coletivo de povos das mais diversas origens, a temática do inferno ainda pode ser considerada um tabu, principalmente para quem põe os dogmas religiosos acima da tessitura literária.

Por se tratar de um assunto e de uma ambientação tão melindrosos, pode causar certa estranheza o fato de que dois romancistas maranhenses contemporâneo tenham, quase ao mesmo tempo, escolhido o inferno como espaço literário de suas narrativas que, ao mesmo tempo, trabalham uma refinada e sutil ironia, com boas doses de bom humor e com cenas que demonstram o domínio dos dois escritores com relação à técnica narrativa.

Quem se interessar pela temática tem à disposição duas obras bastante interessantes: “O Arquivista Acidental”, de Antônio Guimarães de Oliveira, e “O Infinito em Minhas Mãos”, de José Ewerton Neto. São dois romances que enveredam pelos campos do desconhecido, tendo como base os problemas e as dificuldades comuns a todos os habitantes da terra. Em ambas as obras, o leitor facilmente percebe que o interesse maior dos escritores não está em descrever o inferno, mas sim em mostrar que estar vivo pode não ser um privilégio tão grande assim.

Em “O Arquivista Acidental”, Antônio Guimarães traz a história de Arquimedes do Espírito Santo, um funcionário público que, habituado às lides burocráticas, requere a aposentadoria, mas morre na fila, antes de receber o benefício. Ao ser levado para o paraíso, ele dispensa a paz celestial e pede abrigo no inferno. A partir daí as peripécias se multiplicam e, rapidamente, o burocrata pacato, porém revoltado, vai se transformando em um temido, porém desastrado demônio.

Seguindo por um caminho paralelo, José Ewerton Neto cria Eunápio, um homem que mesmo sem grandes pecados, tem sua alma levada para o inferno. Contando com a sorte e com o péssimo caráter de pessoas tidas como idôneas, mas que só pensam no próprio bem, o novo demônio, agora com o nome de Vacele, envolve-se em um turbilhão de acontecimentos que o levarão a questionar as razões da própria existência.

Os dois escritores, cada um com seu estilo característico, acabam revivendo a velha máxima latina do “Ridendo castigat mores” (Rindo, castigam-se os costumes). Eles manejam com maestria a difícil arte de ironizar e de construir sutis alegorias a partir de situações cotidianas que passam despercebidas pela maioria das pessoas. Em verdade, nos dois trabalhos, a imagem do inferno nada mais é do que um pano de fundo para ilustrar os mandos e desmandos que ocorrem cotidianamente em todas as esferas do poder.

Antônio Guimarães utiliza-se da astúcia de transformar um funcionário publico em diabo, com isso, deslinda todos os entraves burocráticos encontrados em uma repartição pública, seja ela no inferno, no céu ou na terra. Por sua vez, Ewerton Neto desnuda a trajetória que leva uma pessoa comum a ser tratada como ídolo, mesmo que sua alma esteja eivada de valores negativos, para isso ele, estrategicamente, centra as missões de seu demônio literário em três figuras tipificadas que transpiram falsidade e malícia: um político, um líder religioso e um autor de auto-ajuda.

No final da leitura dos dois romances, fica uma certeza: apesar das forças demoníacas que entravam as letras, nossos escritores ainda são capazes de transformar o enxofre infernal em prosa com divino sabor literário.