domingo, 4 de janeiro de 2009

ARTIGO DE JOSÉ EWERTON NETO


Para finalizar este domingo de muito sol e poeira, recorro ao artigo de meu carísimo amigo recém-conquistado José Ewerton Neto, que dento de alguns meses será empossado na Academia Maranhense de Letras, instituição para a qual foi eleito por seu trato gentil com as pessoas e com as palavras, além, é claro, de seu incontestável mérito literário.

Como ilustração, uso a capa do mais recente livro de Ewerton, o qual eu recomendo para uma leitura em silêncio e cheia de reflexão sobre o que cada página nos traz com relação a busca de nós mesmos.

O texto abaixo foi iniciamente publico em O Estado do Maranhão e está aqui reproduzido com a premissão do autor. Boa leitura a todos.



ASSIM REFULGE A POESIA


José Ewerton Neto, engenheiro,

autor de Ei, você conhece Alexander Guaracy?
Email: ewerton.neto@hotmail.com



“ Esse refulgir que mais parece um sonho...”
Machado de Assis





Em matéria de poesia todos somos suspeitos. De gostar em demasia, de repetir o que todos dizem, até de dizermos que não gostamos dessa ou daquela poesia. Se os poetas são fingidores, como dizia Fernando Pessoa, mais ainda seus leitores, porque sendo a poesia indissociável da expressão de um sentimento, a realização do leitor não está apenas no êxtase com a forma que o traduz, mas, principalmente, na sua identificação com o autor, quando descobre a expressão gloriosa (e próxima da catarse) do equivalente seu.
Por isso poucos se aventuram no terreno da precisa descoberta do
tesouro poético, eis que a poesia , muito mais que a prosa, por exemplo, é o terreno onde o gostar do que se lê é movido por paixões que disparam, junto com a emoção, diante deste ou daquele poema lido; muitas vezes de um verso simplesmente, e não na contemplação do livro como um todo - como ocorre com o romance.
Sendo feito de curtos-circuitos sentimentais tentando revestir-se de um prazer estético, a meu ver, o poeta, mesmo um grande poeta, dificilmente consegue manter em contínuo processo de alumbramento o fetiche com que magnetiza o leitor nesse ou naquele poema isoladamente. Quanto? Aqui a matemática não socorre. Julgo que uma identificação com 30 a 40 % dos poemas de um livro já seja capaz de deixar o leitor em estado de glória, suficiente para acreditar estar diante de um grande livro.
Esse talvez seja o grande problema da poesia brasileira atual : o de
identificar corretamente valores, onde já não emergem os ícones incontestáveis, como no passado. Fragmentária dentro da própria fragmentação da vida cotidiana, à mercê de espasmos que surgem aqui ou ali, não há por parte da crítica literária nacional a imparcialidade e a acuracidade necessária para enxergar, fora do ambiente das “panelinhas literárias” regionais, os centros onde vicejam a melhor poesia. Só isso explica que os suplementos de alcance nacional (raros) não façam menção mais freqüente aos grandes poemas que aqui em São Luis surgem aos borbotões. Como leitor, eis aqui um breve registro do que ultimamente li e gostei:
Em A morte de Ana Paula Usher, Augusto Cassas, poeta
consagrado nacionalmente, permanece fiel a seu estilo, bastante sutil e original na arte poética brasileira, de convivência da ironia e do sarcasmo com o lirismo Essa poesia, mais recente em sua obra, pode provocar alguma perturbação nos que o preferem de outros livros como República dos Becos e a Paixão Segundo Alcântara. O que se percebe, porém, em Cassas é a absorção espontânea de uma espécie de compromisso com um estilo rompedor de clichês, que, ao mesmo tempo em que causa impacto, flui naturalmente. Entre vários bons poemas do livro destaco os títulos A Cama, Um e O amor, resumos preciosos da dissolução dos espíritos no plano transcendental da fusão com o outro, que é o princípio do amor
Em Vozes de Hospício, Cunha Santos, também consagrado poeta, cunha (me perdoem a tentação do trocadilho ) já a partir do título do seu livro a sua concepção poética de uma linguagem densa e forte. São gritos simbólicos extraídos do caos e da degradação humana, que atordoam com um lirismo algumas vezes apaziguador, outras dilacerante, como aqueles em que vocifera “Não se rosna poesia assim, com quem bebe um cálice de sangue”. Não há chances para a felicidade fácil em seus versos , entre os quais prefiro os que fogem do tom panfletário, como os do poema acima citado Lexotan , Musa e Espaço.
Bioque Mesito, poeta vencedor do recente prêmio FUNC, parece buscar nos poemas de A Anticópia dos placebos...o espaço-tempo dos seus “dias em tecnicolor” em que na contemplação do banal cotidiano acaba contemplando a si mesmo. Não há um distanciamento crítico diante do que vê e sente, mas a intenção de flutuar na pulverização e no tédio dos tempos atuais, como num fluido disperso, em que a função de sua poesia é atomizar essa perplexidade para torná-la suavemente palpável. Destaco, para gosto pessoal, os poemas que tratam dos dilemas atemporais dentro dessas janelas como Comics, O tempo não depende..., Haste.
Eduardo Borges, em Susurros é um poeta que não teme os próprios sentimentos eis que, rapidamente, nos identificamos com a multidão de uivos paralelos aos que a gente traz no recôndito de nossas almas. À semelhança de hai-kais, as palavras iniciais agem apenas como desenhos (gaiolas?) para libertar um desfecho sentimental que é maior que o próprio poema como nos versos de Miragem, em que enxerga a overdose dos olhos de um morto no próprio sol que brilha e, assim, faz um resumo da vida humana, como o caminho sem volta da materialização de um sonho. São vários os poemas-resumo de um tudo que se decompõe em melancolia mas, ao mesmo tempo, se estende para além, através do simbolismo da poesia, como no poema acima citado, Omissão e Visão.
José Chagas um dos cem maiores poetas brasileiros do século, segundo o escritor e poeta José Neumanne, evoca Portugal num único poema e nos convida para fazer com ele uma grande travessia. Trata-se, logo se vê, de um poema-livro. Mas, se todo livro já é, em si, uma travessia, num poema-livro o poema é a ponte utilizada para trilharmos a viagem. Grandiosa e magnífica ponte, essa edificada por José Chagas, onde se socorrem de lirismo os alicerces que sustentam o caminhar do leitor pelos vãos mais profundos e valiosos da memória de um povo!

2 comentários:

  1. Professor Neres! Tudo bem? O Senhor assistiu aos 2 especiais feitos pela Rede Record sobre Machado de Assis e Guimarães Rosa, com a obra: Grande Sertão: Veredas????? Pois, se não teve o prazer de assitir aí vai o link: www.mundorecord.com.br
    O senhor clica em "ESPECIAIS" e verá. Mandei esse post porque nas suas aulas o senhor demonstra ter muito amor pela Globo, mesmo esta contribuindo de forma satisfatória para a pobreza de espiríto inteligente no brasileiro.

    Um aluno que admira seu trabalho...

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  2. Caro aluno. Assisti, sim, ao Especial baseado em Machado de Assis e Guimarães Rosa. Inclusive, eu tinha o prazer de ter uma fita (olha só que coisa antiga) com parte daquele filme inspirado no Rosa. O tempo destruiu coitada da fita. Quanto à TV, acredito que nenhuma emissora enriquece ou emburrece o povo. Somos nós, com nosso pobre nível de ensino que aceitamos tal situação... Mas com um pouco mais de estudo isso pode mudar. Obrigado pelo comentário, pela indicação do link... Um abraço!

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