domingo, 8 de fevereiro de 2009

COMO VAI NOSSA CIDADE?


Este texto foi escrito há alguns anos, quando se aproximava um dos aniversários de São Luís. Não tive a oportunidade de publicá-lo em jornais (acho que não interessaria a nenhum deles). Encontrei-o em um arquivo e agora decido postá-lo aqui no espaço democrático do blog. Desejo uma boa leitura leitura a quem se aventurar a lê-lo!





LAMENTOS DE UMA DAMA ABANDONADA
José Neres




Hoje, aproximando-se as comemorações de mais um aniversário, eu, bem longe das badalações, volto minha enrugada face rumo ao passado e contemplo, com os olhos cheios de lágrimas, a magnitude de minha história em contraste com a miséria de meu presente.

Muito rica fui. Usei as mais belas vestes vindas da Europa. Conheci centenas de homens ilustres, quase todos se renderam aos meus encantos, e alguns, mais talentosos, encheram páginas e mais páginas de versos em minha homenagem. Várias mulheres suspiravam ao me conhecer e não foram poucas as que, sorrindo ou em prantos, declaravam-se apaixonadas por mim. Eu, vaidosa, aceitei as oferendas de todos, sem distinção de sexo. Nunca parava para analisar com quem estava flertando, de quem se tratava ou quais eram seus outros interesses. Amei a todos com a mesma intensidade com pensei que era amada.

Em minhas inúmeras casas, cujas paredes foram erguidas à base de cal, pedra óleo de baleia, muitas lágrimas e muito suor de escravos, inúmeras mortes foram tramadas, centenas de golpes foram planejados e muitos inocentes foram aprisionados, sem direito a voz ou defesa e, muitas vezes, sem direito a um último banho de sol ou um último pedido.

Confesso que para muitos fui mãe, irmã, esposa e ardorosa amante, mas que para outros fui apenas um cruel e frio carrasco. Só agora, com a sabedoria adquirida com o sofrimento, vejo que muitos daqueles a quem maltratei também me amavam, porém de outro modo. Eles tentavam corrigir meus defeitos e curar-me de meus tantos vícios. Fui cega e vi em cada crítica um inimigo a ser eliminado. Ah! Quantos inocentes maltratei e quantos bandidos protegi!

Acreditei, durante muito tempo, que todas as riquezas e toda a fama que acumulei na minha áurea juventude eram infinitas. Pensei que meus belos casarões fossem indestrutíveis e que minha beleza fosse eterna. Mas o implacável tempo se encarregou de apagar até mesmo os retratos que outrora alguns aventureiros fizeram de mim. Vi, aos poucos, as linhas e os traços de minhas telas, sem conservação adequada, perderem as cores, o brilho e a nitidez. Só então percebi que envelhecia, envelhecia, envelhecia...

Minha fortuna está acabando e brevemente chegará o dia em que viverei tão somente do dinheiro ofertado pelos estrangeiros que me visitam e de subvenções governamentais. Meus casarões estão ruindo, minhas vestes estão cobertas de remendos, minhas fontes de vida rapidamente se esgotam e as belas maquiagens que sempre fazem em mim para posar ao lado dos turistas não resistem às altas definições das modernas câmaras digitais que, a cada flash, teimam em ressaltar as profundas marcas de minhas rugas, de minha solidão e de meu abandono.

E à noite, perdida entre o som dos tambores, o bronze dos sinos que dobram, as velhas litanias, o silêncio dos canhões abandonados e o eterno tecer das teias do tempo, com os olhos cheios d’água, faço minha ultima prece: Oh, autoridades, deixem-me viver, pois ainda não vivi toda a minha poesia!!!

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